
08 de janeiro de 2011 | 00h00
A ideia da revista Clima surgiu no fim de 1940, a partir de conversas entre Lourival Gomes Machado e Antonio Candido. A princípio, eles pensaram em editar uma publicação pequena, de circulação restrita, para "dar curso a pontos de vista do grupo". Com o encerramento do ano letivo, Antonio Candido saiu de férias para a casa dos pais em Minas Gerais. Lourival permaneceu em São Paulo e continuou a fermentar o projeto de ambos. Procurou, então, Alfredo Mesquita que se entusiasmou pela ideia e propôs o lançamento de uma publicação mensal.
De volta a São Paulo, todos se concentraram na organização da revista, que já estava em andamento, inclusive com os anúncios que deveriam assegurar a sua base material. Definidos o título (Clima), o diretor responsável (Lourival Gomes Machado), os editores encarregados das seções permanentes (Antonio Candido, literatura; Lourival, artes plásticas; Paulo Emílio Salles Gomes, cinema; Décio de Almeida Prado, teatro; Antonio Branco Lefèvre, música; Roberto Pinto Souza, economia e direito; Marcelo Damy de Souza, ciência) e os colaboradores (como Ruy Coelho e Gilda de Mello e Souza, entre outros), a revista circulou de maio de 1941 a novembro de 1944. No decorrer dos 16 números, firmou-se sobretudo como uma publicação cultural e amarrou, segundo Antonio Candido, "o destino de cada um na seção de que era encarregado".
Nas páginas de Clima, Antonio Candido e os demais editores formularam uma dicção autoral própria e fixaram os contornos da plataforma intelectual e política da geração. A circulação, embora restrita (nunca mais de mil exemplares por edição), causou impacto entre os intelectuais da época. Jovens, recém ou em vias de concluir a graduação na Faculdade de Filosofia, ostentando os conhecimentos adquiridos por meio da formação sociológica e filosófica recebida, eles não mediram esforços para divulgar o projeto cultural do grupo e para se contrapor, mesmo que de forma respeitosa, aos predecessores.
No início dos anos 1940, a Faculdade de Filosofia, embora recente, emitia sinais de que viera para ficar. Produtos desse sistema acadêmico em formação, ligados por suas origens familiares à forma até então dominante de atividade intelectual - o ensaio -, os integrantes de Clima fizeram a ponte entre o passado e as demandas do presente. Daí a centralidade e o impacto que tiveram na cena cultural. Ali mostraram, com seus escritos e projetos de intervenção, a transformação capital que estava se processando em nossos hábitos intelectuais: a liga entre teoria, método e pesquisa, aprendida com os professores estrangeiros na universidade paulista. Nesse contexto, eles foram as pessoas certas para ocupar lugares com resultados ainda incertos.
Como críticos, divergiram dos modernistas - escritores e artistas em sua maioria - mas partilharam com eles o gosto pela literatura e pela inovação no plano estético e cultural. Como universitários contribuíram para a sedimentação intelectual da tradição modernista. Como críticos e universitários diferenciaram-se dos cientistas sociais em sentido estrito, não só pela escolha temática, mas, sobretudo, pela forma de tratamento aplicada aos assuntos selecionados. Em vez do estudo monográfico especializado, o ensaio, a visada ampla, a inscrição do objeto cultural num sistema abrangente de ligações e correlações.
Elegendo a crítica como modelo por excelência do trabalho intelectual, eles fizeram de Clima a plataforma da geração, antes de se profissionalizarem como professores universitários. Base intelectual e social de todos eles, a Universidade de São Paulo não foi o único espaço de atuação dos membros mais expressivos do grupo. Eles se envolveram nos projetos editoriais de ponta, nos grupos que estavam renovando o teatro da época, na Escola de Arte Dramática, nos eventos de artes plásticas, no Museu de Arte Moderna, na Cinemateca. E também no Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo. Lançado em outubro de 1956 e concebido como uma revista literária de porte nacional, ele reuniu novamente os criadores de Clima. Desta feita em bases nitidamente profissionais: Décio de Almeida Prado, diretor; Antonio Candido, idealizador e colaborador constante; Lourival Gomes Machado, titular da seção de arte; Paulo Emílio Salles Gomes, responsável pela seção de cinema. Firmando-se como um dos empreendimentos mais importantes do jornalismo brasileiro, o Suplemento foi um dos eixos por onde gravitou o sistema cultural paulista. Não por acaso, seu período de maior vitalidade (1956-1966) corresponde ao momento de maior envolvimento dos integrantes de Clima.
HELOISA PONTES É PROFESSORA LIVRE-DOCENTE DO DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA DA UNICAMP, AUTORA, ENTRE OUTROS LIVROS, DE DESTINOS MISTOS: OS CRÍTICOS DO GRUPO CLIMA EM SÃO PAULO (COMPANHIA DAS LETRAS)
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