Cláudia Raia é a estrela do musical "Sweet Charity"

Espetáculo que traz a atriz no papel de uma frágil dançarina estréia nesta quarta-feira para convidados e no sábado para o público

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Por Agencia Estado
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Na festa de encerramento da novela "Belíssima", há alguns meses, a atriz Cláudia Raia puxou o autor da novela, Sílvio de Abreu, para um canto e confidenciou que seu próximo projeto seria a realização de um sonho: ser a protagonista do musical "Sweet Charity". Abreu, conhecedor dos mistérios dos espetáculos da Broadway, olhou bem aquele mulherão de quase dois metros de altura à sua frente, cujo brilho ofuscava naturalmente quase todas as outras mulheres da festa, e sentenciou: "Você vai se consagrar se o público se convencer estar diante de uma mulher pequena e sem personalidade, aquela que qualquer um enrolaria em um cobertor velho e levaria para casa". Cláudia encarou o desafio e coloca o resultado à prova a partir desta quarta-feira, quando "Sweet Charity" estréia para convidados no Citibank Hall - o público poderá conferir a partir do sábado. Será um teste e tanto: durante os 150 minutos de duração do musical, a atriz fica apenas oito fora de cena. No restante, canta, dança e interpreta a história de uma dançarina de cabaré que sonha em se casar para mudar de vida. Mas sempre se apaixona pelo homem errado. Criado por um dos maiores nomes da história da Broadway, o coreógrafo e diretor Bob Fosse (1927-1987), que o escreveu e estreou em 1966 para a então sua mulher, a dançarina Gwen Verdon - três anos depois, chegaria ao cinema, com Shirley MacLaine no papel principal -, "Sweet Charity" é inspirado no clássico "Noites de Cabíria", que Federico Fellini dirigiu para sua mulher Giulietta Masina, e, desde sua estréia na Broadway, o musical foi apresentado mais de 680 vezes nos Estados Unidos. "Meu trabalho principal foi encontrar o caminho de me diminuir, pois Charity é uma perdedora", conta Cláudia. "Como não temos absolutamente nada em comum, foi o trabalho mais oposto que fiz em minha carreira." Esse foi o caminho seguido pelo diretor Charles Möeller que, ao lado do responsável pela versão brasileira, Cláudio Botelho, se inspirou mais na Cabíria de Fellini. "A Cabíria é mais marginalizada, enquanto a Charity da Shirley é uma mulher ingênua", explica Möeller. "Assim, nossa personagem tem valores desapegados sem ser piegas, daí optarmos por acentuar o humanismo da Charity." Möeller e Botelho já figuram como referência nacional na divulgação de grandes musicais no Brasil. Tem a assinatura deles por exemplo, "Company", cuja montagem no Rio foi assistida e admirada pessoalmente pelo próprio criador, Stephen Sondheim, figura mítica do musical americano. A aprovação de Sondheim, aliás, ajudou a abrir as portas para que a dupla conseguisse os direitos de "Sweet Charity", ferrenhamente resguardados por outra bailarina e mulher de Fosse, Ann Reinking. Como dispunham de liberdade para montar o musical (ao contrário de outras produções da CIE Brasil, como "Fantasma da Ópera", que devem seguir rigorosamente os preceitos do original americano), Möeller e Botelho tomaram poucas mas decisivas liberdades criativas. No número "Alguém me Ama", por exemplo, em que Cláudia Raia contracena com o coro masculino, a batucada do samba surpreende em meio aos acordes típicos da Broadway. "Como o brasileiro é mais aberto ao tratar da prostituição (lembre-se que Nelson Rodrigues já tratava disso nos anos 1950), decidimos acentuar alguns temas", comenta Botelho. "Assim, colocamos uma carga emocional em Charity que não tem no original, o que torna sua ingenuidade mais plena." A coreografia, porém, segue a cartilha clássica de Bob Fosse, criador de um estilo próprio de coreografia que virara sua marca: com ele, a dança passou a exibir uma maneira especial de usar as mãos, segurar o chapéu, movimentar as pernas. Suas coreografias se tornaram, assim, algo diferenciado - todo movimento significa algo; é muito sensual, mas nunca vulgar. Por conta disso, a dupla convidou Alonso Barros para cuidar da coreografia. Especialista no estilo Fosse, Barros vive há anos em Viena, onde sedimenta seu aprendizado. Como dispunha de um grupo de 19 atores e bailarinos de extrema competência ("todos são autodidatas, mas atingiram um enorme nível profissional"), o coreógrafo buscou reforçar o componente que considera essencial em "Sweet Charity": a interpretação. "A dramaturgia da peça é tão boa que sobrevive mesmo sem as músicas; por isso, busquei que o grupo se concentrasse em apenas uma questão: o que é ser sensual?", explica ele. Barros aprovou também a escolha de Möeller e Botelho em criar o personagem principal com as características de Cabíria. "O espetáculo ganhou em dramaticidade e, como Charity é um dos melhores papéis já escritos entre os musicais, a exigência sobre a apresentação da Cláudia será sempre muito grande." E o coreógrafo sente-se à vontade para aplaudir a atriz: basta observar sua atuação no primeiro grande número do musical, "Big Spender" (traduzido como "Vem com Tudo"), para constatar que ela se revela uma Charity com as principais características de Cabíria. "É um momento típico de vaudeville com o toque especial de Fosse." Personagem é uma perdedora sem auto-estima Por uma questão de dias, Cláudia Raia deixou de viver a prostituta de "Sweet Charity" há 15 anos - quando foi negociar os direitos autorais do musical, descobriu que já tinham sido vendidos. "Mas acabou sendo um bom negócio, pois me sinto mais madura para viver o papel hoje", conta a atriz, cuja carreira se aproxima dos musicais desde sua estréia, em 1983, quando, ainda com o nome de Maria Cláudia Raia, viveu um dos personagens de "Chorus Line". Curiosamente, o tempo também fez com que ela se distanciasse das características de Charity. Afinal, se hoje se considera uma vencedora, Cláudia teve de encarar uma mulher completamente diferente. "Ela é uma perdedora, que nunca fala de si mesma além de não ter nenhuma auto-estima", compara a atriz, que teve o papel especialmente moldado pelo diretor Charles Möeller. "O musical tem um humor negro que Bob Fosse não pôde explorar bem no cinema por conta do moralismo da época", observa Möeller. "Além disso, trata de temas atuais, como a diversidade de raças da América, que sobrevive graças aos latinos, aos orientais e representantes de outros povos." Möeller e o responsável pela versão nacional do musical, Cláudio Botelho, sabiam que dispunham de uma pepita de ouro nas mãos: além da coreografia de Bob Fosse, "Sweet Charity" tem a dramaturgia de Neil Simon, composições de Cy Coleman e música de Dorothy Fields. Daí a acertada decisão de apostar na excelência do trabalho de cada um, além de buscar um caminho original, com toques nacionais. "O final criado por eles é mais radical em relação ao original americano e deverá surpreender o público", acredita Cláudia, que não abandona, porém, o espírito humanitário de Charity. "No minuto final, surge um golpe de esperança", explica sem entrar em detalhes para não embaçar a surpresa da platéia. Surpreendente também é a presença do ator e comediante Marcelo Médici no musical - sem nunca ter cantado ou dançado, ele faz uma participação especial como Oscar Lindquist, namorado que Charity conhece quando um elevador que os transporta trava no meio do caminho, para desespero dele. No início do projeto, Médici revelou estar pouco à vontade em fazer um musical. "Para este personagem, os diretores achavam que a exigência maior era que fosse um ator com o chamado timing de comédia", explica ele, que contracenou com Cláudia Raia na novela "Belíssima". "Fiz algumas aulas de canto no período de ensaio e posso dizer que sou afinado, embora não me considere um cantor." Para construir o neurótico Oscar, Médici partiu do pressuposto que um personagem é sempre o resultado do senso de observação que o ator tem do mundo. "No caso do Oscar, acredito que ele seja um com homem solitário, com uma grande dificuldade de se relacionar emocionalmente e até socialmente. Digamos que ele seja, além de claustrofóbico, um pouco sociofóbico e também um sujeito que sofre de TOC, numa época em que a doença ainda não era diagnosticada." A relação entre Charity e Oscar é um dos momentos mais tocantes do musical, pois, embora ambos procurem desesperadamente por um grande amor, a exigência exagerada torna-se um empecilho. "Mesmo sendo um personagem que resulte numa impressão cômica para quem assiste, Oscar é frágil e tem um drama muito grande", observa Médici. "Ele não consegue casar com a única mulher que amou na vida, pois ele teria de casar com uma ex-prostituta. Em um espetáculo em que a mocinha é uma prostituta ?poética?, muita gente pode achá-lo cruel, mas sabemos que na vida real é diferente e a maioria das pessoas pensa como ele. E isso é que é bonito no teatro. As pessoas vão enxergar uma prostituta sob uma ótica diferente, e talvez passem a pensar de forma não preconceituosa, pelo menos por duas horas". Sweet Charity. Citibank Hall. Avenida Jamaris, 213, Moema, (11) 6846-6040. 5.ª e 6.ª, 21h; sáb., 17 h e 21 h; dom., 18 h. R$ 60 a R$ 120. Estréia no sábado

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