Cláudia Costin quer Estado de leitores

Um dos principais desafios da nova secretária da Cultura, Cláudia Costin: "transformar São Paulo num Estado de leitores"

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Por Agencia Estado
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Ex-mulher forte da Administração no Governo Fernando Henrique Cardoso e ainda defensora da tese do Elogio do Ócio, de Bertrand Russell, ela é mãe de cinco filhos, dois deles naturais. Para o mais novo, lê à noite, antes de dormir, os livros de Monteiro Lobato. Mas também foi ex-militante maoísta, duas vezes presa no Dops (enquadrada na Lei de Segurança Nacional, em 1976 e 1977), antiga fundadora do Partido Revolucionário Comunista e chegou a ser convidada por Marta Suplicy para assumir uma secretaria em São Paulo - teve de recusar, pois na época estava na diretoria do Banco Mundial, em Washington. Cláudia Costin, de 46 anos, a nova secretária de Cultura do Estado de São Paulo, nomeada hoje pela manhã pelo governador Geraldo Alckmin, traz a surpresa e também um leque imenso de possibilidades para a área da cultura no Estado. "A Secretaria precisa de um choque de gestão", justificou o governador ao apresentar seus últimos secretários, na manhã de hoje. Economista com doutorado pela FGV-SP, Cláudia assumiu a administração federal quando o governo tinha 537 mil funcionários públicos. Hoje, o número está em torno de 470 mil. "Não temos excesso de funcionários públicos no governo. O problema é que há uma péssima distribuição dos funcionários", ela diz. "Os concursos públicos só recomeçaram há pouco tempo e vai levar um tempinho para vencer o atraso e o clientelismo." Agência Estado - A sra. é uma profissional cara. Em 2000 foi contratada pelo governo do Espírito Santo para promover uma reforma administrativa no Estado. O salário foi de R$ 670 mil, segundo afirmou o secretário da Casa Civil na época, José Tasso de Andrade. Por que assumir uma tarefa tão espinhosa e tão mal paga quanto a Cultura? Cláudia Costin ? Aquele valor era para 12 profissionais. Mas, primeiro, tenho de dizer que não acho que a cultura seja uma tarefa espinhosa. É desafiante, mas também extremamente sedutora. É um mecanismo rico de inclusão social e combate à pobreza. Nos últimos meses, eu trabalhei com essa possibilidade no setor público, e depois também fui contratada pelo Banco Mundial para trabalhar nessa área. Os jovens vão para o Narcotráfico e a criminalidade, para serem reconhecidos, quando não vêem caminhos pelos mecanismos normais. Trabalhar para o narcotráfico é algo que impressiona as meninas, faz o jovem se destacar na comunidade. O caminho cultural oferece a mesma alternativa, só que é mais construtivo. Me encanta a idéia de fazer política cultural. Sei que os artistas têm outras formas de expressar seus dissabores, seu protesto pode ter maior ressonância, mas há pressões em todas as áreas. No governo federal, a sra. familiarizou-se com o sistema de Organizações Sociais. Acha que é possível implantar esse modelo aqui em São Paulo, nas orquestras e equipamentos culturais? É possível, mas com algum cuidado. O mais urgente é avançar na profissionalização do serviço público. O Poupa Tempo melhorou na ponta os serviços. Agora, é preciso melhorar na retaguarda. É preciso ter um corpo de funcionários bem treinados, bem remunerados, bem preparados, para ajudar na formulação da política cultural. Pessoas de carreira. A gente precisa ativar ainda mais a filosofia Poupa Tempo, vendendo tickets para espetáculos em toda a cidade, e oferecendo informação sobre o que São Paulo produz em termos culturais. Qual é a área que a sra. acredita que necessita de uma ação imediata? Edgar Morin fala da fragmentação dos saberes. Não há uma política cultural integrada no Estado. Há a dança, a música, o teatro, e as coisas não conversam muito entre si. Uma política cultural deve integrar isso num conjunto harmônico. E tem também uma área que é pouco discutida: a da leitura. Nós somos um País que não lê. O Ibope divulgou um estudo mostrando que apenas 26% dos brasileiros são capazes de ler e entender um livro. Então, a Cultura terá esse desafio: transformar São Paulo num Estado de leitores. Vamos trabalhar com a Secretaria de Assistência Social e a da Educação para mudar esse quadro. O Estado teve atuação destacada, na Cultura, nos setores de museologia e orquestras. Há uma reivindicação da Sinfônica do Estado em relação a orçamento, que parece que caiu De 2002 para 2003. O que me foi informado é que houve um acréscimo, de 2001 para 2002, de 50%. E que haveria R$ 18 milhões para a orquestra em 2003. Mas ainda não sei qual é a situação, preciso analisar as planilhas. O que posso dizer é que acho fundamental que a gente não perca o que já ganhou, com uma ênfase muito grande na inclusão social, na ampliação das oportunidades de acesso à cultura e no combate à violência. Pelo que eu soube, existem inúmeras distorções no funcionalismo, muitas pessoas recebendo por recibinhos. Com determinação, nós vamos organizar a secretaria. Não dá para ter bons projetos se a secretaria não estiver funcionando direito. Há uma questão que é sempre imperiosa: culturalmente, quais são seus gostos pessoais? Que tipo de música ouve, por exemplo? Eu gosto de inúmeros gêneros. Gosto muito de MPB. A minha geração cresceu admirando o trabalho de Caetano, Chico Buarque, Gilberto Gil. Deles, pode parecer curioso, mas eu gosto mais do Gilberto Gil. De literatura eu gosto de muita coisa. Agora mesmo eu terminei de ler Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa. Fiquei encantada. E cheguei à conclusão que certas coisas a gente deve ter uma certa idade para ler e aproveitar. Uma idade em que a gente não tenha mais pressa de chegar ao final, que aproveita melhor cada passagem. Um dos meus livros preferidos é A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Tenho uma biblioteca grande, de 3 mil e 500 livros, que viaja comigo. Quando fui para Washington, levei junto. E em São Paulo, quais são os lugares que costuma freqüentar? É curioso. Eu vivi numa São Paulo diferente. Fiquei 16 anos fora e estou conhecendo agora a nova São Paulo. Não pude deixar de ir à Sala São Paulo, estive lá na inauguração. Fui à Pinacoteca. Mas nada me impressionou tanto quanto o Museu do Imaginário (no antigo prédio do Dops). Foi de uma emoção muito forte voltar ao prédio, resisti a fazer isso. Fui convidada para dar uma palestra lá, no mesmo lugar onde estive presa duas vezes, enquadrada na Lei de Segurança Nacional. Foi numa época mais branda, por assim dizer, da repressão. A gente pegou o início da distensão. Fui do PC do B, ajudei a fundar o Partido Revolucionário Comunista, que durou só seis meses. Estive lá com Genoíno, Marina Silva, Tarso Genro, todos meus amigos hoje. Fui filiada também ao PT, até o início dos anos 90. Nessa época, a sra. fez loucuras de estudante? Foi aos festivais hippies e coisas desse tipo? Os maoístas éramos muito disciplinadinhos, a gente era muito careta. Não fui a lugar nenhum. Tampouco fui do "desbunde", a fase em que os militantes deixaram a política para farrear. Quando isso aconteceu, eu já tinha uma filha pequena. Num dos seus artigos para jornal, a sra. cita Monteiro Lobato como fonte de inspiração para um projeto de Administração pública. Isso me pareceu curioso. É verdade. Foi uma história engraçada. Eu sempre lia os livros infantis do Lobato para meu filho pequeno. Essa história apareceu em Caçadas de Pedrinho. Monteiro Lobato fala sobre a fuga de um rinoceronte de um circo. O governo logo cria o Departamento de Caça ao Rinoceronte, cuja principal missão passa a ser justamente a de jamais encontrar o rinoceronte, porque, encontrado o animal, aquele órgão e seus funcionários perderiam sua razão de ser.

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