A literatura densa de Clarice Lispector cabe todinha nas 12 faixas de um CD para crianças. Doze Lendas Brasileiras, da editora Luz da Cidade (R$ 18,00) traz histórias curtas e saborosas da autora de Perto do Coração Selvagem, lidas por atrizes famosas como Maria Padilha e Sílvia Buarque. Uma dúzia de contos inspirados em lendas bem nacionais, como a do Saci-Pererê, do Negrinho do Pastoreio e do Curupira, vai desfilando com calma pelo disco. Uma lenda para cada mês do ano, culminando, em dezembro, com Uma Lenda Verdadeira, em que uma emocionada Odete Lara, com voz embargada, lê a versão de Clarice para o nascimento de Jesus. O melhor dessas narrativas de Clarice Lispector é constatar como ela, mesmo escrevendo para crianças, não facilitava em nada em sua prosa intimista e tecida de inquietações latentes. Sem concessões, ela fisga o leitor mirim para a sua boa literatura. Não espanta, cativa. É o que também ocorre com seus outros livros infantis, como A Mulher Que Matou os Peixes, A Vida Íntima de Laura e O Mistério do Coelho Pensante - que, aliás, a editora deveria também reunir em CD. Uma das surpresas do disco Doze Lendas Brasileiras, que traz na capa um desenho exclusivo do artista Roberto Magalhães é a estréia de Mariana Valente, neta de Clarice, que, aos 13 anos e louca de vontade de ser atriz, lê com muita graça o conto do Curupira, escolhido por ela. "Passei uma tarde inteira gravando e tive de repetir a leitura umas dez vezes, mas foi uma experiência bem gostosa", conta a menina. "Lendo esses contos da minha avó, parece que converso com ela, sinto-a bem viva". Mariana ainda não mergulhou em textos como os de Laços de Família e A Paixão Segundo G. H. Diz que quer descobrir a prosa da vovó com calma. "Não houve uma direção formal das leituras, deixei que tudo fosse muito espontâneo", declara Paulinho Lima, o coordenador do projeto. Foi uma decisão acertada. Veteranas como Rosita Thomas Lopes, Duze Nacaracci, Heloísa Mafalda e Zilka Salaberry dão um banho de talento, defendendo os textos de Clarice com as garras delicadas e a cadência musical de uma avó lendo histórias para os netos na cadeira de balanço. E mesmo as atrizes jovens revelam um vigor verbal insuspeitado, como Camila Pitanga, surpreendente na alternância de tons para marcar as diferenças entre os personagens de As Aventuras de Malazarte.