Cinema sem fronteiras

Preços mais baixos e busca por novos mercados levam produtores brasileiros a fechar parcerias com colegas argentinos

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Por Flavia Guerra
Atualização:

Dois amigos brasileiros deixam o Brasil e partem em direção à Argentina. Pelo caminho, encaram medos, desafios, divertem-se, fazem amigos e, mais que tudo, voltam transformados, com a certeza de terem vivido uma grande experiência. Esta é a premissa de La Vingança, filme que será rodado em dezembro em parceria entre Brasil e Argentina, mas poderia também resumir a atual fase das relações do cinema dos dois países. Em tempos de crescimento da produção audiovisual nacional, cada vez mais o País se abre a coproduções com países da América Latina, traçando caminho de amadurecimento e internacionalização. Ao lado de La Vingança, outros diversos casos de realização conjunta entre os países ressaltam o movimento de "latinização" que o cinema nacional tem atravessado. "Isso ocorre por vários motivos. Há o acordo de coprodução firmado pelos dois governos e também o edital Brasil - Argentina, que favorecem filmes bilaterais. Mas este movimento já ocorre naturalmente há um tempo. Tenho várias experiências, mesmo sem termos sido beneficiados pelo edital. O Brasil também se tornou bom investidor em tempos de crise na Europa", conta Vania Catani que, à frente da Bananeira Filmes (de O Palhaço) é coprodutora de El Ardor, longa dirigido por Pablo Fendrik e estrelado por Gael García Bernal, Alice Braga e Chico Diaz. Atualmente em fase de filmagens em Missiones, na selva argentina, conta a história de um homem misterioso (Bernal) que adentra a floresta para resgatar a filha sequestrada (Alice) de um fazendeiro após mercenários matarem seu pai.O projeto foi idealizado pela argentina Magma Filmes. "Nós entramos como coprodutores minoritários. O nome de Alice Braga foi nossa sugestão. É bom para todos a parceria. Além da facilidade de ter um filme que também é argentino e conta com outros produtores de vários países, o que amplia nossa possibilidade de exibir em outros mercados", comenta a produtora, que em 2014 irá também filmar, em parceria com a argentina Lucrecia Martel (de O Pântano e A Mulher Sem Cabeça) o longa Zama, baseado no romance homônimo de Antonio di Benedetto.De fato, quando o assunto é a exploração de novos territórios, contar com acordos internacionais é estratégico. "Do contrário, seria impossível. A Ancine (Agência Nacional do Cinema) lançou o edital de coprodução, para estimular as parcerias entre Brasil, Argentina e Uruguai. A grande vantagem é que se nacionaliza o filme em dois mercados. Isso diminui muito os custos com impostos e se otimiza a verba. Aqui temos a verba para filmar e lá há incentivos interessantes na fase de distribuição. Lá, para cada peso arrecadado na bilheteria, o governo devolve 80 centavos de peso. Os dois saem ganhando", comenta Justine Otondo, da Querosene Filmes, que, ao lado de João Queiroz, é produtora de La Vingança. Custos. Sara Silveira, da Dezenove Som e Imagens, vê mais vantagens. "Ganhamos o aprendizado, pois o cinema argentino é estabelecido no mundo e fala espanhol, língua com mais alcance que o português. Isso conta muito. Além disso, há os bons preços dos custos de produção argentinos, menores que no Brasil. Eles estão à frente em questão criativa e otimização de verbas", comenta Sara, que vai coproduzir e filmar em 2014 o longa Pela Janela, de Caroline Leone. "O roteiro conta história de uma irmã e um irmão que têm cerca de 60 anos. Ela é demitida após décadas. E ele, que tem de entregar um carro em Buenos Aires, a chama para viajar. Isso muda tudo. Ao longo do caminho, aprendem muito com os argentinos. Historicamente somos rivais no futebol, mas temos de usar a rivalidade para o bem no cinema."Por falar em rivalidade, é exatamente esta rixa que dá o tom a La Vingança. Comédia com grande potencial de público, conta a saga de Pipo e Caco. Este, depois de surpreender a noiva transando com um argentino, parte com o amigo para o "território inimigo", disposto a se vingar e conquistar o maior número de argentinas possível. "É um filme que brinca com a rixa, mas trata com humor e carinho desta rivalidade", comenta Fernando Fraiha, que vai codirigir La Vingança com Jiddu Pinheiro. "Falamos de amizade, não vingança. Entre Caco e Pipo e entre os dois países. Tratamos das diferenças e semelhanças, mas, no fundo, há mais semelhanças entre nós, seja culturalmente seja cinematograficamente", diz Pinheiro. Por isso, a rivalidade de La Vingança se restringe às peripécias de seus protagonistas (vividos por Fábio Porchat e Gregório Duvivier). Na realização, a parceria é total. "O orçamento é bancado pelo Brasil. Diretores, produtores e diretor de fotografia são brasileiros. Na Argentina, temos o Luis Sartor (de Medianeras), nosso produtor local, que foi nosso coprodutor em Juan e a Bailarina. O diretor de arte e a equipe técnica são argentinos, pois 80% do filme vai ser rodado lá", explica Justine.A ideia de La Vingança surgiu de forma casual, mas ganhou corpo justamente por conta da demanda por novas histórias híbridas. "Sou ator e sempre tive grande vontade de contar uma boa história no cinema também como diretor", conta Pinheiro. "Um dia, o Fraiha me perguntou se eu tinha uma ideia de um filme jovem que se passasse na Argentina. Tinha. E assim tudo começou."Hoje, La Vingança também tem parceria da Globo Filmes e da Paris Filmes. Pela Janela tem a Rizoma Filmes de Hernán Masaluppi, a mesma que coproduziu Juan e a Bailarina, do carioca Raphael Aguinaga, que estreou há pouco no Brasil e chega em breve a Buenos Aires. Aguinaga foi pioneiro ao filmar na Argentina. "Com o sucesso do filme, fui convidado para dirigir um remake de um grande sucesso do cinema argentino. E assim se cria o cinema latino", diz Aguinaga. Pinheiro e Sara concordam. "É bom poder lançar um olhar sobre o cinema latino-americano e homenageá-lo", diz o diretor. "Fazer a América Latina se juntar e enfrentar o resto do mundo nos fortalece. Se pudermos fazer esta mescla, será magnífico", completa a produtora.

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