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Cinema cantado

Eduardo Coutinho agora busca a intimidade dos personagens por meio de canções

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

FORTALEZANinguém sabe como ele faz as pessoas falarem. Mas agora Eduardo Coutinho vai botar seus personagens para cantar. Em Fortaleza, para homenagem pelo conjunto de sua obra, o grande documentarista brasileiro conversou sobre seu próximo projeto, ainda sem título, e que busca a subjetividade das pessoas pela via da canção. A estratégia (se o termo cabe) não era inteiramente estranha a Coutinho. Pelo contrário, havia lhe sido sugerida por um dos seus personagens. Afinal, quem não se recorda daquele homem em Edifício Master, fã de Frank Sinatra e que canta My Way com toda a alma? Coutinho achou que pedir a um grupo de pessoas que cantasse uma canção de sua preferência seria um bom modo de fazer com que falassem melhor de si mesmas. "Esse era mesmo o caminho, pois faço o que chamo de "filmes de conversa"."Os cinéfilos brasileiros já se habituaram a admirar esses filmes de conversa. Coutinho, como ninguém, sabe ouvir seus personagens (em especial mulheres) e deles tirar o que têm de melhor, de mais íntimo e profundo. São filmes que fizeram época, como Santo Forte, Edifício Master e Jogo de Cena. Este último, considerado uma obra-prima do cinema, reduz o espaço cênico a uma plateia, onde mulheres e atrizes contam histórias de vida para a câmera. Um cinema reduzido ao mínimo, com rendimento subjetivo máximo. Levou a tal ponto a arte de Coutinho que a colocou em crise. Seu filme posterior, Moscou, foi considerado sintoma desse impasse, segundo a própria crítica que o idolatra. Tenta agora sair dela, com esse filme sobre as canções preferidas?"Eu não me incomodo com isso e meus filmes não são respostas a nada. Eu estava mesmo numa crise e, então, nesse filme, procuro radicalizar a postura de Jogo de Cena", diz. De que maneira? Procurando pessoas comuns, pedindo-lhes que cantem uma canção que marcou suas vidas e falem sobre isso. "O espaço é ainda mais depurado que o de Jogo de Cena. Lá havia o teatro e as poltronas; agora são apenas paredes pretas, sem nada; somente uma cadeira onde a pessoa está sentada e fala e canta."Conversar com Eduardo Coutinho é sempre uma experiência incomum. Ele nunca está onde se espera encontrar um nome consagrado do cinema. Não faz pompa nem pose. Não debate ideias gerais e nem tem fórmulas para salvar a humanidade. Quer apenas ouvir histórias individuais e ainda se surpreende com o fato de encontrar pessoas dispostas a contá-las. "Esse é o maior milagre de todos: a pessoa falar para uma câmera e um microfone, e expor sua intimidade diante de um estranho", revela. Ao mesmo tempo, ele sabe que esse é um segredo que detém como poucos. Ou como ninguém, para ser preciso. Daí a diferença entre os filmes de Coutinho e os de imitadores, que logo surgiram às pencas após o sucesso de Santo Forte. Parecia que a única coisa a fazer para conseguir um bom depoimento era ligar a câmera e fazer perguntas ao entrevistado. Ledo e ivo engano, que produziu uma série de contrafações sem qualquer relevância e contribuiu para colocar em crise o assim chamado "cinema de entrevista". De modo que Coutinho, apesar de sua modéstia, admite que é ouvinte privilegiado, desses diante dos quais as pessoas se abrem, com confiança. "Se há um diferencial no meu cinema, acho que é esse", diz. E fica por aí. Entende o cinema como atividade coletiva, na qual vários profissionais contribuem para o filme acabado. Por isso, nem mais discute o conceito de "autoria" tão caro aos franceses da nouvelle vague. "Autor de quê?", se pergunta. Nem mesmo se considera um artista, mas, por paradoxo, admite que seus filmes, vistos em conjunto, definem uma obra, "por mais pretensioso que isso possa parecer". A obra vai além do sujeito que a assina, ele parece dizer. E pode ter efeito regenerador. "Eu estava morto para o cinema quando fiz Cabra Marcado para Morrer (1964-1984), e então renasci. Depois morri de novo e fiquei muitos anos sem filmar; ressuscitei com Santo Forte, em 1999." O cinema cantado, deve lhe provocar novo surto de vitalidade. PerfilEduardo Coutinho nasceu em São Paulo em 1933. Fez documentários e filmes de ficção. Trabalhou no Globo Repórter e é autor da obra-prima Cabra Marcado para Morrer

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