PUBLICIDADE

Cineasta Bruno Barreto faz sua estréia teatral com "Dúvida"

Peça, escrita pelo americano John Patrick Shanley, conquistou prêmios renomados como o Pulitzer de drama e o Tony

Por Agencia Estado
Atualização:

Em uma escola católica, a madre superiora Aloysius Beauvier desconfia que um padre, Brendan Flynn, justamente aquele com perfil mais progressista, teria molestado um menino negro (o único do colégio), mas não tem provas concretas sobre essa suspeita. Ela comunica sua desconfiança à mãe do menino, senhora Muller, e busca apoio na sua auxiliar mais próxima, irmã James, mas a incerteza a perturba: seria ele realmente inocente, como proclama? E não estar segura sobre uma situação não seria um terrível sinal de fraqueza? O dilema da irmã Beauvier é o ponto de partida do espetáculo "Dúvida", que estréia nesta sexta-feira no Teatro Shopping Frei Caneca. Escrita pelo americano John Patrick Shanley, a peça conquistou prêmios renomados como o Pulitzer de drama e o Tony, o Oscar do teatro americano. Mais que as condecorações, o mérito está justamente em provocar o espectador. "O texto mostra que temos de aceitar a dúvida", comenta Bruno Barreto, cineasta de grandes sucessos ("Dona Flor e seus Dois Maridos") que estréia agora como diretor teatral. "A história se passa em 1964, época que retrata um momento em que os velhos hábitos ainda dominavam o comportamento do mundo, mas já se encontravam vazios em seu conteúdo." Barreto conheceu o texto de Shanley em 2004, quando, com sua então mulher, a atriz Amy Irving, assistiu a uma montagem durante o Festival de Verão realizado pela Vassar College, nos Estados Unidos. O tom do enredo, que questiona o discurso público, a cultura de confronto, julgamento e veredicto, logo o capturou. "Texto e subtexto andam de mãos dadas, prendem a atenção do espectador e fazem pensar e refletir", comenta ele. "E sugere que esta postura se deve ao fato de sabermos que, na verdade, não sabemos de nada." O cineasta começou ali a ter interesse em dirigir uma montagem teatral. O desejo se cristalizou quando, na filmagem de "Bossa Nova", ouviu do ator Antônio Fagundes que o palco deveria ser o seu destino. "Fagundes disse que a forma como eu ensaiava para o cinema se aproximava do teatro, o que me convenceu ainda mais a tentar essa experiência." E a estréia tinha de ser com "Dúvida". Barreto percebeu que a história de John Patrick Shanley era mais profunda que um mistério envolvendo pedofilia. O combate verbal travado entre a madre superiora e o padre revela, aos poucos, sentimentos fortes e reminiscências pesadas. Surgem questões sobre a influência decisiva da religião na conduta das pessoas. Também a atuação da madre superiora, torturada pela incerteza, remete às pessoas que vivem em um mundo que querem controlar a todo custo. "É a dúvida (freqüentemente sentida primeiro como fraqueza) que muda as coisas", comenta Shanley, no texto de apresentação da peça. "Quando suas certezas são abaladas, você está atingindo o pico para o crescimento. O sutil ou violento encontro do eu exterior com o eu interior é sentido primeiro como um erro, como se você houvesse pegado o caminho errado e estivesse perdido. Mas é, apenas, saudade do conforto do conhecido". E continua: "A dúvida não é nada mais que a oportunidade de reentrar no presente." O resgate da dúvida também enfeitiçou o ator Dan Stulbach, que interpreta o padre Flynn. "Vivemos um momento marcado por certezas perigosas, que conduzem a humanidade a inúmeros conflitos", comenta. "O texto da peça mostra como a relação humana necessita da tolerância para que cada sentimento, cada religião tenha seu próprio espaço." A presença do ator contribui para a presença da dúvida sobre a pedofilia - seus gestos amistosos, seu semblante pacífico, sua convicção ao negar o ato chegam a provocar simpatia na platéia, mesmo diante de um personagem suspeito de um ato tão abominável. "Trata-se de uma provocação no bom sentido, especialmente porque a história poderia muito bem ser ambientada no Brasil." A peça, que conta ainda com Regina Braga (como Aloysius Beauvier), Isabel Teixeira (irmã James) e Lena Roque (senhora Muller), foi encenada em diversos países, com destaque para a montagem dirigida por Roman Polanski, também cineasta. "No caso dele, há um detalhe intrigante: Polanski foi obrigado a sair dos Estados Unidos acusado de ter assediado uma menor de idade, um caso que ele ainda nega, ou seja, persiste a dúvida", comenta Stulbach. Dúvida. 90 min. 14 anos. Teatro Shopping Frei Caneca (600 lug ). R. Frei Caneca, 569, (11) 3472-2226. 6.ª, 21h30; sáb., 21 h; dom., 19 h. R$ 60. Até 10/12

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.