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Cinco Séculos da morte de Gutemberg

Seção destacou homenagem da Book Collector ao inventor, numa época que já debatia o futuro da imprensa

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Por Redação
Atualização:

Lívio Xavier - artigo publicado na seção 'Revista das Revistas' do 'Suplemento Literário' de 28.9.1968

 

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SÃO PAULO - Nestes agitados dias em que MacLuhan e seus colegas de meios e artes de comunicação audiovisuais entoam um tanto açodadamente a nênia fúnebre da palavra escrita e do livro impresso, George Painter, autor da mais recente obra sobre Proust, e o qual exerce um cargo no Brittish Museum, traz no Book Collector (Primavera 1968) a Gutenberg as homenagens devidas por ocasião do quinto centenario da sua morte. Refere-se a revista ao "jeu de mots" que corre em França (na Inglaterra não tem disso não) que pretende ocorrer mesmo este ano "a morte de Gutenberg". O que os franceses ligados à nobre arte gráfica querem com isso dizer é, no entanto, mais limitado que a previsão de MacLuhan, referindo-se apenas à morte que supõem certa do tipo feito de metal, enquanto não se acha um sucedaneo convenientemente eletrônico. Mas, no fundo, trata-se da mesma coisa: uma revolução nos meios de expressão do pensamento, a qual, como todas as revoluções, acabará jogando fora o seu próprio motivo determinante. A revista aduz, à inglesa com "humour", que talvez não seja demasiado cedo recordar em letra da forma os ultimos acontecimentos da vida de Gutenberg, tarefa da qual encarregou George Painter.

 

O quinto centenário do nascimento de Gutenberg, escreve Painter, deve ter sido comemorado em 1900 com algum atraso, pois é provavel que o inventor tenha visto a luz do dia no ano de 1398. Em compensação, Gutenberg tem data certa de falecimento: 3 de fevereiro de 1468, dia de São Brás, como reza uma nota manuscrita atribuida a um companheiro seu, da irmandade de São Victor, em Mogúncia. Seja como fôr, no dia 26, o seu herdeiro, o dr. Konrad Humery, declarava ter recebido do arcebispo Adolf de Nassau, residente em Eltvil, "as fôrmas, tipos, instrumentos, ferramenta e outros objetos concernentes à arte de imprimir, que Johann Gutenberg deixou por morte".

 

Como bom erudito, George Painter pouca importancia dá à tradição segundo a qual Gutenberg morreu na miséria e que a sua ruína tivesse concertada em 1455 com arte diabólica pelos seus colaboradores Fust e Schoeffer. O cruel destino dos grandes inventores no caso de Gutenberg, se tem ainda muita gente que o lastime, não deixa de ser um produto da fantasia dos pósteros. Não ha razão para essa choradeira a respeito de Gutenberg, diz Painter, implacavel, que promete publicar esse juizo herético no "Festschrift" em via de ser editado em honra de Victor Scholderer. O fato é que Gutenberg, prefigurando um aspecto menos nobre da imprensa e dos seus homens, como dirão as más linguas, foi condenado a pagar um empréstimo que pedira a Fust. Principal e juros andaram por 2026 "guilders", mas a condenação de Gutenberg, pretende Painter, apoiado pela pesquisa sobre a praxe do tempo nessa materia de divida não paga, não foi executada e o devedor apenas deu garantias verbais ao credor. Tudo se passou nem necessidade de penhora, amistosamente. Tanto é verdade isso que Fust e Schoffer deixaram Gutenberg em paz e pleno domínio das coisas da sua arte, enumeradas por Painter: tipos e prensas. Em seguida, o grande homem foi para Bamberg onde ganhou muito imprimindo Biblias e calendarios, vendendo depois as matrizes a Albrecht Pfister. De volta a Moguncia, Inventou outras famílias de tipos, que também vendeu depois a Heinrich Bechtermuenzer. Vê-se pois que Gutenberg era bem o tipo de comerciante, pode-se dizer sem trocadilho. E a rigor teve sempre sorte e só se retirou do negocio quando, pelo costume da época, estava em idade de aposentar-se. Não havia então Institutos de previdencia, mas a igreja velava pela tranquilidade da velhice dos seus fieis eleitos: o arcebispo citado fixou-lhe uma bela pensão em janeiro de 1465.

 

Que mais poderia desejar Gutenberg? pergunta um tanto irreverentemente Painter. Inventara a imprensa e imprimiu o mais belo livro que tem sido feito, libertou-se do jugo do capitalista Fust, organizou o seu mercado de "best sellers", como diz Painter, imprimiu ainda por sua conta dois livros grandes, e sempre se livrou dos credores. Se pagou juros às vezes, o grande inventor que, praticamente, inventou a civilização moderna no Ocidente, nunca pagou o principal. Painter o comprara, a êsse respeito, a Balzac, que também se meteu no negócio de tipografia e se encalacrava sempre. O paralelo não parece muito justo pelo que refere o próprio Painter. Em todo caso, Gutenberg como Balzac, pretende êle, quanto mais devia tanto mais ocasião tinha de manifestar o seu gênio.

 

Como último pormenor, Painter cita a condição de Gutenberg, de contribuinte apreciável para a Fazenda pública em Estrasburgo: pagou imposto por ter bem sortida adega de vinhos. No fim Painter levanta o brinde de honra. Bebamos todos em memória de Gutenberg, e aquele vinho do Reno de que ele mais gostava.

 

No mesmo número do Book Collector pode-se ter a grata surpresa de encontrar entre os artigos de colaboração um de Carleton Smith, musicólogo americano, sôbre "Os manuscritos musicais perdidos na Segunda Guerra Mundial". O autor de quem se recorda ainda a permanência em São Paulo como adido cultural dos EUA é um erudito "Scholar" e homem muito diverso do mito do "ugly american", corrente hoje em dia. Smith dá conta da sua paciente e infelizmente infrutífera pesquisa, mostrando a importância da perda desses manuscritos para o estudo das obras e não só pela raridade e curiosidade.

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