China deslumbra com sua arte em SP

No ano passado foi o Egito. Agora é a vez da China. O museu da Faap traz uma ampla mostra da arte chinesa, dividida em três módulos: Arte dos Imperadores, Arte do Cotidiano e Arte Contemporânea

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Por Agencia Estado
Atualização:

No ano passado foi o Egito. Agora é a vez da China. As instituições e museus brasileiros, dentre elas a Faap, têm ido cada vez mais longe - no tempo e no espaço - em busca de novos atrativos e de maneiras alternativas de ampliar de forma agradável a bagagem cultural do grande público, como será possível constatar no evento China, que será aberto nesta segunda para os visitantes no Museu de Arte Brasileira e no Salão Cultural desta faculdade e permanece em cartaz até o dia 3 de novembro. Reunindo milhares de obras de arte, objetos de importante valor antropológico ou simplesmente registros da riqueza criativa demonstrada pelos chineses em seu dia-a-dia - além de ter promovido, ontem na festa de abertura e em outras duas datas futuras, eventos temporários como desfiles de trajes típicos e demonstrações de kung fu taiji - essa grande mostra promete conquistar um número significativo de visitantes. E por vários motivos. Enquanto alguns provavelmente demonstrarão grande curiosidade pela arte contemporânea cada vez mais "ocidentalizada" desenvolvida naquele gigantesco país, outros provalmente ficarão deslumbrados ao ver que a renomada produção de vasos da dinastia Ming é apenas uma das várias vertentes da arte cerâmica dos chineses. Na verdade, o evento é subdividido em três grandes mostras: Arte dos Imperadores, Arte do Cotidiano e Arte Contemporânea. As duas primeiras provenientes da França e a última organizada por um colecionador também francês, mas com sede em Hong Kong. Além da evidente atração dos gauleses pela cultura oriental, essa escolha se deve a uma coincidência. Se no ano passado a Faap dividiu a honra de ser sede de uma mostra sobre o Egito com o Masp, desta vez ela dividirá com a BrasilConnects a agenda dedicada à China. Como essa instituição já vai trazer duas coleções diretamente de China (objetos da coleção do Museu da Cidade Proibida e exemplos dos cavalos e cavaleiros de Shaanxi), a maneira de complementar essa cobertura foi mostrar o rico acervo dos franceses. É impressionante - e até um pouco deprimente, por seu caráter imperialista - a quantidade de objetos antigos chineses reunidos na coleção do Museu Guimet e que atualmente foram dispersos no amplo espaço do Museu de Arte Brasileira. Decorado à la Cidade Proibida (uma recriação cenográfica um pouco carregada, que felizmente o visitante vai abstraindo durante a visita graças à riqueza das próprias obras), a área comporta seis núcleos distintos, que abrangem desde a arte mais antiga encontrada em território chinês até as porcelanas da dinastia Ming (1368-1644) e os objetos de escrita da dinastia Qing, dos séculos 17 e 18. As primeiras peças, do período neolítico (entre 2.200 e 1.900 a.C.), são extremamente simples, mas pouco a pouco o público vai sendo apresentado às inovações técnicas e artísticas dessa cultura milenar. Surgem as representações animais e humanas, como um belo fogão da dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C), decorado com uma cena de um homem lutando contra um tigre ou a escultura de um guerreiro, da mesma dinastia. Um dos aspectos mais interessantes desse evento é sua capacidade de mostrar como a inventividade do povo chinês se manteve intacta durante todos esses anos. Basta atravessar o suntuoso hall do prédio de Higienópolis para que o público se confronte com uma riqueza impressionante de objetos, utilitários e invencionices usadas no dia-a-dia e que foram reunidas ao longo de 40 anos pelo curador independente François Dautresme, um apaixonado pela cultura material da China. São mais de 1,6 mil peças -na coleção original esse número é três vezes maior -belas e úteis. Civilização do bambu - A maioria remete ao que Dautresme chama de a civilização do bambu. Esse vegetal tem uma importância vital para os chineses, tendo sido fonte de matéria-prima e alimentação por muito tempo, além de ter uma grande importância simbólica, trazendo boa sorte e sendo muito explorado pelos artistas, interessados em mostrar sua maestria ao pintar o movimento das folhas oscilando nos bambuzais. Carrinhos de bebê, pequenos armários para guardar alimentos, coletes ou delicadas gaiolinhas para prender grilos, embalagens para objetos de porcelana... Tudo é confeccionado em bambu, com um grau de sofisticação impressionante. Eles possuem uma riqueza inventiva, uma coerência de estilo e um senso artístico que é único no mundo, acrescenta ele, lamentando que apenas há cerca de uma década eles próprios passaram a dar valor a essa riqueza, vendo-a como arte. "Os chineses são grandes empiristas, experimentam uma coisa e se dá certo eles continuam; senão modificam tudo até acertar. O mesmo ocorre na política" explica Dautresme, que acredita já ter estado mais de 150 vezes no país desde que o descobriu, na década de 60, em plena ebulição pré-Revolução Cultural. Aliás, Mao Tsé-tung é uma presença constante na exposição, ganhando até mesmo uma sala especial com objetos a seu louvor e estando fortemente presente nas obras contemporâneas reunidas na terceira e última exposição. Se ele conseguiu avanços (como a eliminação da grande miséria que reinava na China e a emancipação da mulher, fato essencial para Dautresme), os chineses ainda continuam necessitando exorcizar sua imagem ao mesmo tempo paternal e ditatorial, para encontrar sua nova identidade. Identidade, aliás, que tem como principal contraponto a avalanche cultural do Ocidente. Com a mesma força que Mao, vemos nas obras dos jovens chineses uma necessidade de discutir símbolos do imperialismo capitalista como a Coca-Cola e, acima de tudo, utilizar - diga-se de passagem, com grande resultado formal - as novas mídias e linguagens da arte ocidental. Assim, na seleção apresentada pelo curador Jean-Marc Decrop (galerista e especialista no assunto), há um grande número de trabalhos fotográficos e vídeos. Também não foram esquecidas, no entanto, as pinturas a óleo realizadas com grande força pela geração da década de 80 (também na China essa foi a linguagem do momento), alguns deles até mesmo representados na 25.ª Bienal de São Paulo, realizada no primeiro semestre. Ao todo, o núcleo de arte contemporânea reúne 90 obras de 34 artistas diferentes. Evidentemente, só podem ser grandes as lacunas de uma mostra sobre um país tão vasto e com uma história tão conturbada e antiga. Dautresme conta que é recorrente entre os chineses com quem entrou em contato ao longo dessas décadas aqueles que lhe dizem: "Nós tínhamos inventado tudo e vocês ainda estavam nas cavernas." Uma verdade da qual os brasileiros começam a compreender com essa exposição, cujo maior mérito é o de lembrar aos brasileiros que a China existe. E é fascinante.

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