PUBLICIDADE

Chico feminino e rapper

Por Lauro Lisboa Garcia e BELO HORIZONTE
Atualização:

Criolo é mesmo o homem do ano. Depois de ter lançado um dos melhores álbuns de música brasileira (Nó na Orelha) e ter feito o show-celebração mais comovente de 2011 no Sesc Vila Mariana, dominar a premiação do VMB e ser cortejado por Caetano Veloso, agora o cantor/compositor/rapper é honrado por Chico Buarque, que foi reverenciado pelo paulistano na versão atualizada de Cálice (Chico/Gilberto Gil). A retribuição de Buarque, cantando trecho da letra de Criolo em ritmo de rap na estreia da turnê do novo álbum, anteontem no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, foi o ponto alto de um show redondo com boas surpresas.No entanto, não é primeira vez que Chico se aproxima do rap - já o tinha feito na embolada Ode aos Ratos em 2006 e num dueto com Eugénia Melo e Castro em Olê Olá, em 2005, nunca lançado. Mesclando todas as dez canções do novo álbum, Chico, com clássicos que há muito tempo não se canta, como Baioque, Desalento (Chico/ Vinicius de Moraes), Ana de Amsterdã (dele e Ruy Guerra), A Violeira (Chico/ Tom Jobim), Choro Bandido (parceria com Edu Lobo) e Bastidores, o roteiro é irretocável. Falando pouco, o que se vê em cena é um Chico mais estimulante, leve e solto do que o de seis anos atrás, quando lançou Carioca.Ao contrário do anterior, em que a plateia se inquietava com as novas canções, neste show os fãs entre eufóricos e discretos cantam junto todas as novidades, reconhecidas e aplaudidas aos primeiros acordes. Talvez seja o poder de propagação da internet, ou o interesse do público mineiro (mais atento e respeitoso do que as plateias de seus vizinhos do Sudeste), talvez seja a força oculta das próprias canções, como Rubato (parceria com Jorge Helder), Tipo Baião e o sensacional afro-lamento Sinhá (dele e João Bosco) que crescem ao vivo, em ambiente sonoro mais arejado do que na gravação do CD.O eixo do show são as canções femininas situadas no abstrato "tempo da delicadeza", algumas consagradas por cantoras como Bethânia, Zizi, Fafá, Elba, Elizeth. Cantando lindezas e safadezas como Terezinha, Valsa Brasileira (Chico/Edu Lobo), Anos Dourados (dele e Jobim), Todo o Sentimento (Chico/ Cristóvão Bastos), O Meu Amor, Sob Medida, além das várias personagens das novas canções (Aurora, Amora, Teodora, Nina, Glorinha, Anabela, Maristela, Soraia, Barbarella e as anônimas), Chico faz o mulherio se derreter mais do que o habitual. Se Eu Soubesse, que ele canta com a atual namorada Thaís Gulin no CD, fez até uma delas sussurrar "uh, que ciúme". Enfim, é bala doce certeira daquele que é conhecido como o compositor que melhor "entende a alma feminina".Outras canções de tempos recentes, como De Volta ao Samba, Futuros Amantes (ambas de 1993) e Injuriado (1998), junto aos clássicos dos anos 1970 e 80, e já no bis uma lá dos primórdios, Sonho de Um Carnaval (1965), fundida com A Felicidade (Tom Jobim/Vinicius de Moraes), compõem um belo, conciso e alternativo painel de mais de 30 títulos entre joias raras do vasto cancioneiro buarquiano, rejuvenescido por novos caminhos harmônicos e vocais.Velho Francisco (1987) abre o show como um recado de que ele se faz mais cativo pelo conteúdo do que pelo impacto. A cenografia de Hélio Eichbauer, a banda de velhos amigos - Luiz Claudio Ramos, Bia Paes Leme, Chico Batera, Jorge Helder, João Rebouças, Marcelo Bernardes e o mestre Wilson das Neves, ovacionado várias vezes -, o figurino todo preto de Cao Hamburger, a iluminação sóbria de Maneco Quinderé - tudo é disposto para seu conforto, a serviço da música. Há blues, balada, valsa francesa (Nina) e Valsa Brasileira interligadas, bolero saudosista, samba-canção, em blocos de temas lentos apropriados para o ambiente de teatro, com boa acústica e sem gente bebendo e falando alto. Outras boas surpresas são o dueto de Chico com Wilson das Neves em Tereza da Praia (Tom Jobim/Billy Blanco), depois de cantarem juntos Sou Eu (Chico/Ivan Lins), e Baioque (1972), misto de baião com rock, que ressurge pulsante com citação de My Mammy, clássico do blues do início do século passado. Épica, Geni e o Zepelim provoca grande comoção.De volta aos grandes sambas, ele oportunamente canta em Barafunda (2011): "E salve a floresta, salve a poesia / E salve este samba / Antes que o esquecimento / Baixe seu manto, seu manto cinzento". É urgente como o "ritmo e poesia" de Criolo (Kleber Gomes), com tal potência em boas letras e sutileza melódica.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.