EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|Chico doidão

'Como foi hoje? Quantas assediou?' 'Poucas, só quatro.' Quatro, abaixo da média

PUBLICIDADE

Atualização:

Chegava no bar, era saudado: “Chico Doidão, como foi hoje? Quantas assediou?”. “Poucas, só quatro.” Quatro, abaixo da média. Juntava gente, copos na mão, salivando. “E a direção não está de olho em você?” “Acreditam no que digo. Sou inocente, fantasias daquelas loucas, agora é guerra contra os homens.” “Se a direção acredita e te mantém lá, ela concorda, sabe que é calúnia, isso é bom.”  “Outro dia, tentaram me denunciar na procuradoria, mas não foi para a frente, compareci a uma festinha, levei minha santa mulher, garanti que era casado há 30 anos, tinha filhos no seminário, somos uma família religiosa, cheia de fé em Deus, que está acima de tudo.” “Mas e aquela reclamação no RH? Disseram que você tinha puxado uma pelo pescoço, dizendo: Você será minha?” “Quem acredita em uma secretariazinha de quinta? Aliás, gostosinha. Olha, mulheres não deviam trabalhar em lugar de homens! Acaba dando isso, fofocas, denúncias falsas.” “Você é o máximo, Chico Doidão, invejamos, vive cercado de gostosinhas, tem poder, algum dia alguma cai. Que emprego você conseguiu, hein?”  “O presidente da Corporação está comigo. Somos assim um com o outro.” Chico Doidão esfregou um indicador no outro, indicando cumplicidade, mesmo modo de ver a vida. O grupo aumentava, gostava de ouvir os relatos do Chico, tinham inveja, ele homem de prestígio, alto salário na instituição. Rodeavam, excitados: “E aquela, Chico, em que você passou a mão nos seios, igual àquele deputado?”.

Pesquisa revelaalto indíce de assédio sexual contra mulheres e poucas punições contra os assediadores em organizações do Estado Foto: Reuters

“E aquela outra em que você roçou nas coxas?” “E aquela em que você deu um beijinho no pescoço?” “Aquela em que você, no fim da tarde, pediu para sentar no colo, e ela te deu um tapa?” “Bundinha gostosa, demitida na hora por justa causa.” “E aquela em que você quase conseguiu dar um beijo na boca?” “Sumiu, nem pediu demissão!” “Chico Doidão, você é nosso ídolo! Você é duca!” De repente, Chico sumiu. Cinco dias sem aparecer. Voltou, foi cercado. “Conta tudo. Comeu?” “Não, fui demitido, acreditaram nelas, as desgraçadas mentirosas. Inventaram tudo, fizeram até manifestação. Me mandaram embora, minha mulher separou de mim, mudou tudo em poucos dias. Essas mulheres precisam ser contidas. Estão cada vez mais loucas, juntam-se e ninguém pode com elas. Nenhuma empresa vai me querer. A gente tem de fazer um movimento. Nós, homens. Ou acabarão conosco.” “Chico Doidão! Somos homens, machos, ninguém acaba conosco. Ninguém.” Brindaram com chope, cerveja, negronis, gim-tônica, palavrões, gestos de fo...-se.

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.