Chico Buarque lança novo romance

Budapeste conta a história de um ghost-writer que se transforma em seu próprio duplo, na Hungria

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Por Agencia Estado
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O terceiro romance de Chico (ou o quarto, se for considerado Fazenda Modelo, de 1974) acaba de vir ao público. Chama-se Budapeste (Companhia das Letras, 177 págs., R$ 29,50). É a história de um ghost-writer. Alguém que escreve o que outras pessoas assinam, artigos para jornal, discursos de autoridades, autobiografias e, no ápice, poemas. Um autor anônimo, um brilhante autor anônimo. Excetuados Fazenda Modelo e Benjamim (1995), os escritos de Chico eram para teatro musical e acompanharam a carreira do compositor. A fase iniciada com Estorvo, em 1991, marca a dissociação das obras musical e literária. Chico pára de compor para escrever e não escreve quando volta a compor. Mas não se desvincula do tempo presente, sempre refletindo dúvidas e perplexidades do autor. Em Estorvo, assim como em Benjamim, a precária estabilidade do universo turvo, denso, de atmosfera irrespirável criado por Chico Buarque rompe-se na quebra do espelho, na percepção do duplo, no confronto com o outro. De forma curiosa, a palavra "estorvo" não aparece em Estorvo, mas aparece em Benjamim, num jogo que o autor diz não ter sido consciente. Seja como for, Benjamim apontava para a aproximação entre o Chico escritor e o compositor, já que fazia menções indiretas a algumas de suas composições, notadamente Valsa Brasileira (parceria com Edu Lobo) e Morro Dois Irmãos (há um morro fictício que é igual àquele, da zona sul do Rio). A Valsa Brasileira reaparece, agora quase explicitamente, em Budapeste: "Cheguei ao Danúbio tão depressa que olhei meus pés, para me assegurar de que andava com eles e não com o pensamento", diz José Costa, o ghost-writer. Na letra da canção: "Subia na montanha/ Não como anda um corpo/ Mas um sentimento." Outra valsa, Suburbano Coração, tem verso transcrito. E não se pode esquecer do sonho no vôo sobre o mundo em Sonhos Sonhos São, do disco As Cidades - O Rio e Budapeste são cenários de Budapeste. E só nesse livro as cidades têm nome. Nos outros dois, o cenário era um Rio de Janeiro não nomeado. Chico Buarque já disse que sua ficção é conseqüência de sua música: "O ritmo, a cadência saem dela, embora não a temática", contou, falando dos romances anteriores. Mas há um Chico compositor, um Chico escritor. São o mesmo, são dois. E José Costa, do Rio, é o mesmo Zsoze Kósta, de Budapeste, dois homens que são um só e cuja realização artística se dá sob os nomes de quem assina seus textos. Num rápido resumo: José Costa escreve o que outros assinam. Um dia, é convidado a comparecer, em Melbourne, na Austrália, a um congresso internacional de escritores anônimos. Problemas no vôo, fica retido em Budapeste. Fascina-o, ali, sobretudo a língua. Costa e Kósta vivem entre duas mulheres, duas cidades, duas línguas. A distância entre eles é léxica, sintática, semântica - exatamente a matéria com que lidam; na medida em que o fosso do verbo se preenche, Costa e Kósta aproximam-se, como suas questões são duplicadas no espelho e uma cidade é a chave da outra. E como a história é praticamente dada já nas primeiras páginas do livro, sua trama é mesmo léxica, sintática, semântica e, mais uma vez, até o espelho, onde as palavras são as mesmas e não o são. De novo, e melhor do que antes, Chico Buarque cria um livro que se constrói na escritura, mesmo que a trama seja rica - mas a trama só existe na escritura, que se faz pela trama, esse novelo. Por isso, de novo, como em Benjamim, a frase final aparece no comecinho, no sem-fim dos espelhos.

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