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Chico Anysio usa "Canalha" para rever história do País

No livro O Canalha, o escritor e humorista repassa os principais momentos da história recente nacional pela ótica de Genival, um vigarista de primeira linha

Por Agencia Estado
Atualização:

Genival nasceu canalha. Apesar de não ser o único do País, seu envolvimento com os principais fatos históricos do Brasil entre 1945 e 2001 transformaram-no em um canalha de primeira linha: foi ele quem deu o revólver com o qual Getúlio Vargas se suicidou, além de ter convencido Juscelino Kubitschek a transferir a Capital Federal do Rio de Janeiro para Brasília. E, num gesto derradeiro, foi visto no aeroporto de Boston, na manhã do dia 11 de setembro, entrando, vestido de piloto, em um avião da American Airlines, justamente o aparelho que se chocou contra o World Trade Center. "Criei o personagem como forma de protesto contra a grande incidência de canalhas na história do Brasil", comenta o escritor e humorista Chico Anysio, autor de O Canalha (Editora Globo, 388 páginas, R$ 35), o 17.º livro de sua carreira literária. "Infelizmente, todos os canalhas tiveram o mesmo destino: roubaram o equivalente a milhões de dólares, mas não foram presos." Inconformado, ele criou o personagem Genival, uma espécie de Forrest Gump malandro (o personagem de Tom Hanks no filme de Robert Zemeckis, de 1994), que, como uma iminência parda, cultiva a confiança dos principais mandatários nacionais, desde o marechal Eurico Gaspar Dutra (presidente entre 1946 e 1951) até Fernando Henrique Cardoso, incitando-os a tomar atitudes nem sempre éticas ou corretas. Íntimo do poder, ele trai indiscriminadamente, preocupado apenas com o próprio sucesso. "Genival sempre se dá bem." Genival é o único personagem fictício em meio a fatos históricos. Para garantir a veracidade do texto, Anysio consumiu quatro anos em pesquisas, checando datas, informações e grafias. Disposto a dar um tom didático à narrativa, ele colocou notas explicativas nos cantos laterais das páginas, que dizem algo mais sobre as personalidades e os fatos citados. "Consultei o arquivo de um jornal em Campinas, além de ler atentamente todas as retrospectivas publicadas a partir de 2000 para tirar minhas dúvidas", explica o humorista, que escolheu os casos mais pitorescos para envolver seu personagem. Rouba, mas faz - Assim, Genival é convocado pelo ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros, em 1945, para o auxiliar na campanha eleitoral, que faria de Dutra o presidente brasileiro. Barros sofria uma campanha difamatória por todo o País, o que atrapalhava seus planos de chegar à presidência. Convidado a elaborar um eficiente plano de marketing, Genival surge com uma inusitada solução: Ademar de Barros deveria adotar o slogan "Rouba, mas faz". Diante do silêncio atônito do político, o canalha justificou: "Os adversários vão morrer de ódio, porque usaremos contra eles algo que eles mesmos criaram para nos desmoralizar." O ex-governador não usou o slogan diretamente, mas, segundo o livro, permitiu que fosse divulgado, o que apressou sua derrota e trouxe milhares de dólares para Genival vindos dos partidos concorrentes. "Com isso, Chico Anysio colabora, de forma originalíssima, para recordar passagens que permanecem, cada um a seu modo, no imaginário popular", observa, na introdução do livro, o escritor Arnaldo Niskier. Anysio divertiu-se durante o processo de escrita - aproveitando as aventuras de seu herói sem nenhum caráter, ele não se limitou a recontar a história brasileira de forma picaresca, mas utilizou Genival para exercer seu bom humor. Como o hábito do personagem em atribuir apelidos às personalidades. Assim, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro militar a presidir o Brasil depois da Revolução de 64, é tratado por Genival como "Pescocinho" por ter a cabeça praticamente ligada ao tronco. O jornalista e ex-governador carioca Carlos Lacerda é chamado de "Zé Metralha", por ser um grande orador, e o ex-presidente Jânio Quadros, conhecido por "Zoião", merece inúmeras referências irônicas - como a brincadeira com o português rebuscado que utilizava ao se expressar. No livro, Jânio fala um idioma correto, mas erra constantemente ao tratar com o personagem, chamando-o de Gevinal, Givinal, Genavil e outras variações. Personalidades - Chico Anysio não se limita a recontar a história do País em O Canalha: ao longo dos anos, faz inúmeras referências a personalidades, como cineastas, escritores, músicos, pintores, esportistas e jornalistas. "Foi uma forma que descobri para não deixar o enredo recheado de momentos indecorosos", justifica o escritor, que homenageia uma verdadeira legião, formada por nomes como Glauber Rocha, Jorge Amado, Di Cavalcanti, Carlos Drummond de Andrade, Chacrinha, Garrincha, Oscarito, Lupicínio Rodrigues e Julio de Mesquita Neto, que combateu a censura durante o governo militar, na direção do jornal O Estado de S. Paulo. Aos nomes da televisão, porém, dedicou uma especial atenção, principalmente àqueles com quem conviveu em mais de 40 anos de carreira. É o caso, por exemplo, de Walter Clark, "o homem que fez nascer e crescer um império como a Rede Globo". "Ele era um amigo querido, com quem aprendi muito", lembra-se o humorista. A escrita de O Canalha foi tortuosa em apenas um momento: a referência à Zélia Cardoso de Mello, que acumulou os ministérios da Economia, Fazenda e Planejamento, no início do governo de Fernando Collor de Melo, em 1990. Além de uma polêmica passagem pelo governo (com o Plano Collor, determinou o bloqueio do dinheiro investido em poupança e outras aplicações), Zélia foi uma das cinco ex-mulheres de Chico Anysio. "Tive dificuldade, pois ela é mãe de dois dos meus filhos, mas não dava para falar bem dela", explicou. "Procurei não omitir fatos, mas também medi bem as palavras." No livro, Anysio faz referência à qualidade que ele considera a melhor da ex-ministra: inteligência ao montar uma equipe de auxiliares realmente capazes. "Como Jânio, Zélia soube escolher bem seu grupo, com nomes como Antônio Kandir, Pedro Malan e Paulo Renato. Um trunfo, pois ela deixa a desejar como economista." Aos 70 anos e casado com a cantora e fisioterapeuta Malga de Paula, Chico Anysio mantém a escrita como uma atividade constante. Nos intervalos dos shows que realiza pelo País (já soma a incrível marca de 8.012), ele escreve em um computador portátil. "É a melhor maneira de vencer o tédio", explica ele, que pretende lançar um livro de poemas. "Sou um poeta tradicional, porque prefiro a velha métrica." Na televisão, porém, os desgostos continuam: com o fim da Escolinha do Professor Raimundo, por causa da baixa audiência, ainda não sabe como será utilizado pela Globo, com a qual tem contrato até 2004. "A emissora parece não gostar de mim", reclama. "Com o fim da Escolinha, 55 profissionais serão demitidos, o que é lamentável, pois o programa é um sucesso." Desgostoso, conta não ter acompanhado o fenômeno Casa dos Artistas: "Prefiro os programas esportivos da tevê paga."

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