"Cheiro de Deus" angustia Roberto Drummond

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

?Quando olhei para o que havia sobrado daquela história, percebi que tinha a obrigação de reescrevê-la e agora que ela está quase no fim me sinto angustiado?, diz Roberto Drummond, referindo-se ao seu mais novo romance, Cheiro de Deus. Há mais de dez anos, ele havia começado a escrevê-lo, mas um personagem secundário o forçou a mudar de rota e abandonar a história. Em 64 dias, Drummond escreveu as 298 páginas de Hilda Furacão, um tempo admiravelmente rápido para um autor perfeccionista como ele. Seu livro anterior, Ontem à Noite Era Sexta-Feira, foi reescrito 17 vezes. Aos 61 anos, Drummond está nitidamente angustiado com Cheiro de Deus, sobretudo agora que o romance está quase pronto, mas parece que a fase pior já passou. ?Até o mês passado, eu olhava para ele e não tinha certeza se estava como eu queria. Agora, depois de mexer muito na sua estrutura, está mais próximo do que eu desejava?. Mas há ainda outros motivos que justificam seu sentimento. ?Há uma grande expectativa depois do sucesso de Hilda Furacão. Até pessoas que eu não conheço me param na rua querendo saber quando o livro sai?. Ele também tem sido assediado por sete editoras interessadas em publicar seu livro. A adaptação da história de Hilda para a televisão, há três anos, o colocou durante meses no topo da lista dos mais vendidos e, hoje, o livro já conta com 130 mil exemplares comercializados. Drummond tem passado os dias em casa retocando as quase 500 páginas de Cheiro de Deus. O romance foi todo escrito à mão e consumiu 23 esferográficas. Duas secretárias o transcreveram para o computador. ?As duas são filhas de médico e as únicas capazes de entender meus garranchos?, diz o escritor. Embora diga que a linguagem e o estilo forjados em Cheiro de Deus não têm nada em comum com Hilda Furacão, o personagem central do primeiro também é uma mulher. Drummond foi encontrá-la na sua própria história familiar. Trata-se de uma velha cega que carrega um rifle à espera de um assalto de jagunços. Quando jovem, ela se casou com um fazendeiro e foi morar no Contestado, região limítrofe dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, cujo passado testemunhou uma série de conflitos entre proprietários. ?Ela foi para lá e descobriu a força do pecado e a proibição de ser feliz?. Para o autor, essas duas características estão próximas de seu universo familiar e, reevocá-lo foi o modo encontrado para exorcizar os fantasmas de sua infância. ?Turgueniév e Mann costumavam dizer que para escrever sobre famílias, bastava olhar de perto e descrever a sua. Foi o que procurei fazer em Cheiro de Deus?. Justamente por essa determinação de consolidar o passado, Drummond tem se visto às voltas com a definição de um estilo. Inicialmente, suas grandes influências eram Hemingway e Hammet, mas agora ele se considera mais próximo de Faulkner. Sua técnica também revela o quanto ele deve ao cinema e ao jornalismo, profissão que exerce de certo modo até hoje com a publicação diária de crônicas sobre futebol. Mas há outros elementos que se combinam para formar o retrato familiar de Drummond. Ele, tal como aconteceu com Hilda Furacão, recuou até a Belo Horizonte da década de 50 para compor o pano de fundo da história. Uma cidade, segundo ele, que respirava liberdade na vida boêmia, enquanto durante o dia se cruzava nas ruas com padres de cara fechada. ?A religião continua sendo uma das forças mais persistentes de Minas e me parece ser o chão de quase todos os escritores do Estado.? Depois de terminar Cheiro de Deus, Drummond partirá para mais um desafio, escrever um folhetim, O Mistério da Flor Vermelha, para o Jornal do Brasil.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.