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Chega às livrarias Cartas do Exílio

Livro traz a correspondência entre Júlio de Mesquita Filho e sua mulher Marina nos anos 30 e 40 do século passado, quando viveu no exílio por imposição de Getúlio Vargas

Por Agencia Estado
Atualização:

Diz um antigo provérbio etíope que a vergonha só pode existir onde há honra. Em muitas das cartas escritas durante o exílio do jornalista Júlio de Mesquita Filho (1892-1969) nos anos 30 e 40 do século passado, a insistente defesa desse conceito aristotélico também é feita com endereço certo: ambas as palavras, vergonha e honra, faltavam no dicionário do caudilho gaúcho Getúlio Vargas, responsável pelos dois exílios do diretor de O Estado de S. Paulo, vítima ainda da violência de ver seu jornal ocupado pela polícia e expropriado em 1940, a mando do ditador. O livro Cartas do Exílio, que a editora Albatroz, de seu neto Ruy Mesquita Filho, em co-edição com a Terceiro Nome, lança agora (chega às livrarias, por R$ 48), reúne a correspondência trocada pelo então diretor do Estado e sua mulher Marina, que o acompanhou nesses dois exílios (só voltando algumas vezes para visitar seus filhos), além de correligionários, filhos, e também artigos que publicou em jornais e revistas da época no Brasil, Europa e Argentina, e documentos sobre a ocupação e venda do jornal (ele não vendeu) para a ditadura Vargas. Mais que cartas, são valiosos documentos históricos sobre a luta de um democrata para conseguir apoio externo e derrubar a ditadura Vargas. O neto e editor Ruy Mesquita Filho tinha apenas 19 anos quando o avô morreu, mas lembra como a influência do jornalista foi marcante em sua formação. Aos 24, de passagem pela Europa, ele receberia a notícia da morte da avó Marina, em Salzburgo, que deixou essas cartas a seu cuidado, com a promessa de que seria enterrada com os originais, o que foi feito em fevereiro de 1975. Passados mais de 30 anos, cópias dessas cartas são publicadas na íntegra, revelando um homem preocupado com o destino político e os rumos do País. Ele testemunhou a ascensão do nazi-fascismo e a derrocada dos valores humanistas que tanto prezava, também em países europeus, prevendo que os valores morais construídos pela humanidade durante séculos seriam atirados ao lixo por ditadores como Hitler, Mussolini e Vargas. No segundo dia de janeiro, em 1939, ele escreveu uma crônica a respeito, prevendo que a guerra viria "com a fatalidade de um aresto do destino". O jornalista conclui a crônica com uma frase pessimista, de um homem desapontado, mas não derrotado. Enviada de Paris, durante o segundo exílio de Júlio de Mesquita Filho, a crônica profetiza a queda de Hitler mesmo antes de a guerra começar: "Toda vez que um indivíduo tentou rebelar-se contra a sociedade, esta reagiu e impôs a sua vontade", observa. E diz ainda: "É o que nos ensina a História, tanto através da epopéia napoleônica como da lamentável aventura de 1914." Deveria ser a frase de cabeceira de muitos líderes que mesmo hoje não a conhecem. Estudo sociológico Mais que a simples troca de correspondência entre um exilado e sua esposa Marina, mulher de inteligência aguda, irônica e de personalidade crítica, Cartas do Exílio permite vários níveis de leitura. Pode, por exemplo, ser lido como um estudo sociológico sobre vários países por onde o jornalista passou - e foram vários nas duas vezes em que esteve exilado, em Portugal em 1932 e depois na França, entre 1938 e 1939, passando pelos Estados Unidos, rumo à Argentina, onde fica até 1943. Marcadas pelo pensamento de Durkheim, entre outros, essas cartas trazem observações de um homem culto, sempre atento aos detalhes. "Era uma pessoa formal, sempre de terno, que jamais conversava bobagens e que me deu de presente, quando completei 16 anos, um livro de Joaquim Nabuco, lembra o neto Ruy Mesquita Filho. A exemplo do estadista do império que se tornou embaixador da República, Júlio de Mesquita Filho também teve formação européia. Educado na Suíça, voltou ao Brasil com o projeto de criar uma Universidade. O que fez. Criou a Universidade de São Paulo, graças a seu cunhado, Armando de Salles Oliveira, então interventor, e que o incumbiu do trabalho, atraindo para a cidade, nos anos 1930, professores de peso como o historiador Fernand Braudel e o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o autor de Tristes Trópicos.

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