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Centro e periferia serão prioridades

Em entrevista a Igor Ribeiro, o novo secretário da Cultura de SP Marco Aurélio Garcia fala de seus projetos e promete focalizar a região central e periferia

Por Agencia Estado
Atualização:

Agência Estado - A prefeita diz que o norte da sua gestão quanto à cultura é o que chama de Cidadania Cultural. Como o sr. define esse conceito? Marco Aurélio Garcia - O sistema democrático, consagrado pela constituição, penosamente construído nesses últimos 20 anos, não se traduziu numa democracia social expansiva. Vivemos, em certa medida, num regime de apartheid social. Há um grande número de pessoas excluídas, da produção, do emprego, das condições mínimas de dignidade de vida, e há inclusive os excluídos da cultura. Utilizei a expressão, recentemente, que da mesma forma que existem os sem-terra, os sem-teto, existem os sem-música, os sem-cinema, os sem-teatro, os sem-literatura. E nós pretendemos, dentro dessa orientação geral que tem a nova prefeitura, fazer com que um dos eixos centrais da atual gestão da Secretaria de Cultura seja a realização de um amplo processo de socialização de bens culturais. E por outro lado, um processo de valorização de uma produção cultural que passa despercebida pelos olhos de grandes setores da sociedade. Esses são os dois grandes movimentos que nós queremos fazer, e eles vão vertebrar a política cultural. Os eventos não serão só eventos por eventos, mas responderão completamente a esses eixos da nossa política cultural. O resultado efetivo disso é que a atividade cultural contribuirá para a constituição da cidadania. A cultura é um instrumento de liberdade, e portanto, é um instrumento de consciência também. É isso que nós queremos. Isso não deveria acontecer paralelo ao ensino? Meu âmbito não é a Secretaria da Educação. Vamos cooperar com essa secretaria, vamos fazer programas em conjunto com ela, e deverei ter nos próximos dias uma reunião com o Secretário (Fernando José de Almeida). Nossa idéia é ver em que medida nós podemos - nessa preocupação de ampliação e de construção de novos públicos - fazer dos jovens um público alvo privilegiado. Portanto, tentar articular com eles um programa de educação artística, para além daquilo que os currículos escolares propõem. Nós podemos nos beneficiar um pouco da experiência do Ministro da Educação Jacques Lange (da França), que foi Ministro da Cultura no passado, e criou um programa de educação artística para as escolas primárias, com um impacto muito grande. Tem um outro aspecto importante: uma lei será apresentada na Câmara, por um vereador do PT, e é justamente uma lei que procura articular educação, lazer, esportes e cultura de uma maneira que nós possamos visualizar, no futuro, que cada uma das 800 escolas do município possa se transformar num verdadeiro mini-centro cultural, que atingirá, obviamente, os estudantes daquelas escolas, e consequentemente, famílias, vizinhos. Se isso fosse progressivamente se materializando, nós teríamos uma irradiação desse processo de socialização de bens culturais muito grande. Há poucos dias o sr. disse esperar receber a pasta de Rodolfo Konder para poder se pronunciar melhor sobre sua estrutura. O sr. já teve a oportunidade de examinar com mais cuidado a papelada do gabinete? A única coisa da Secretaria que eu já tive contato foi com o mais importante que ela tem, que são seus funcionários - pelo menos com parte, que já retornou das férias. Amanhã (hoje ) vou ao Centro Cultural São Paulo com o novo diretor (Carlos Augusto Calil), para conhecer o lugar mais profundamente, uma vez que o centro é muito grande. E pretendo fazer algo que, parece, não foi feito no passado, que é visitar todos os equipamentos da prefeitura, a partir da semana que vem. Todos os centro de cultura, bibliotecas, teatros, tudo. Conversar com as pessoas, ver o estado do material que lá se encontra, e em função disso vai ser difícil ter um diagnóstico a curto prazo. A única coisa que sei é que os quatro últimos números dessa agenda aqui não foram pagos (referindo-se à revista Agenda Cultural, que tem sido publicada mensalmente pela prefeitura). O dono da gráfica disse que só imprime a de janeiro se pagar o papel da de setembro. Aliás tem outros problemas de papel, mais prosaicos, que também está faltando aqui, que você pode imaginar (risos). Nem o gabinete do Secretário foi poupado, é um caso geral (risos). Além de Carlos Augusto Calil, já há outros nomes para o Gabinete? Nada. Só algumas pessoas estão sendo sondadas. Eu tenho uma prática de não revelar nenhum nome até que tenha sido definido. O orçamento da pasta ficará nos R$ 105 milhões? Sim, mas precisamos ver o que é o orçamento real e o virtual. Pois a situação das finanças da prefeitura é muito complicada. Falei com o Secretário (João Sayad), e ele deve estar bem mais preocupado do que eu. O orçamento da cultura tem que subir em muitas coisas, mas antes nós vamos ter que mudar a situação financeira do município - queremos fazer muitas coisas boas e grandes para a cidade até o fim do ano, mas o perfil fiscal da cidade mudará. Por conta das alterações que vão afetar todas necessidades de um cidadão, essa mudança vai atingir também a Secretaria de Cultura, não só em termos absolutos mas também em termos relativos. A Lei Mendonça mostrou uma incoerência na última gestão quanto ao que é arrecadado pelos incentivos e o que é verdadeiramente gasto na cultura. Para exemplificar, ano passado, as empresas que fizeram renúncia fiscal de IPTU e ISS para o setor disponibilizaram R$ 44 milhões, mas a Prefeitura só autorizou o uso de R$ 17 milhões. Como a manipulação desse incentivo é indireta, problemas como esse têm sido recorrentes. Como isso deve ficar daqui para frente? Eu quero estudar a Lei Mendonça - e a parte dela sobre a Prefeitura - com muito cuidado. Já estou começando a agendar os primeiras reuniões para vermos como vamos fazer essa lei funcionar. A Prefeitura de São Paulo, assim como as do resto do País, não podem limitar a incrementação de sua política cultural a tais tipos de incentivo. Eles são muitas vezes vinculados aos interesses e prioridades dos grupos que se predispõem a participar. Evidentemente, esses grupos escolhem trabalhos a partir de processos muito justos, não vou condenar, com critérios de marketing - mas não necessariamente esse projeto é prioridade da prefeitura nem da cidade. Em alguns casos, pode haver uma convergência, mas não podemos atender exclusivamente ao mercado. Eu sempre entendo que a Lei Mendonça, como a Lei Rouanet, como todo e qualquer mecanismo de incentivo à cultura terá necessariamente um caráter complementar, ainda que possa estar colaborando num processo de investimento importante. Também vamos acabar, eventualmente, com picaretagens, pois sabemos que existem. No tempo da Lei Sarney, coquetéis e festinhas aconteciam, muitas vezes, graças a esse tipo lei de incentivo. O sr. tem familiaridade com o meio cultural paulistano? O meio cultural paulistano é uma coisa muito vasta. Acho que ninguém tem familiaridade assim. Eu me informo, tenho interesse pela área cultural há muitos e muitos anos e, com o perdão da palavra, sou intelectual. Nesses anos em que atuei como Secretário da Cultura em Campinas, e coordenei Programas de Governo do Lula por duas vezes, no qual a cultura tem uma parte importante, conheci muita gente da área. Mas acho que dos problemas em geral sim, tenho bastante conhecimento. E, com a maior humildade, estou tentando me informar o máximo possível e ouvir as pessoas. Quero ouvir muito, acho que essa é uma função política, basicamente. A vantagem talvez de ser alguém não vinculado a uma área, como teatro, cinema, música, é de incentivar o sujeito a ser generalista. Um amigo meu costumava dizer "especialista em generalidades", o que posso me considerar quanto à cultura. Pois apesar de ter minhas simpatias - pretendo tratar bem da Orquestra Sinfônica e do Municipal - mas não posso ser o Secretário de Cultura do patrimônio histórico, do teatro, do Centro Cultural, do cinema. Temos que ampliar as fronteiras da política cultural. O sr. tem articulado contatos com representantes da classe artística? Hoje (ontem) à tarde vou me reunir com o Sérgio Mamberti aqui no gabinete. Minha primeira audiência. É meu reconhecimento à pessoa do Sérgio. Além de grande ator, é alguém que batalhou muito no campo da cultura, tanto que o nome dele foi um dos que circulou, com muita justiça, para o cargo de Secretário de Cultura. E eu tive a oportunidade de várias vezes trabalhar com ele, quando se mostrou muito preocupado também com temas relacionados aos meios de comunicação. Mas eu quero conversar com todo mundo, e quero deixar claro que inclusive com aqueles que não são eleitores da Marta. Nós não somos a Secretaria de Cultura do PT ou dos partidos que formam a base de apoio, mas qualquer pessoa que tenha contribuição, e muitas têm, serão tratadas com absoluta igualdade. Já foi apresentado na Câmara o projeto de criação da São Paulo Filmes, que deve ser votado em abril. O que o sr. pensa do projeto? Nós vamos estudar. É um projeto polêmico este que foi apresentado, e quero ouvir todos os lados para emitir uma opinião nossa. Não é projeto consensual. Eu pessoalmente não tenho opinião formada e quero formar uma sobre isso. Quais seriam os argumentos dissonantes? As pessoas a favor e contra vão todas tirar suas manguinhas de fora, então vou preferir preservar minha posição. Não por arbítrio. Mas no que eu possa arbitrar no que diz respeito à Secretaria, prefiro respeitar. Adianto que os argumentos são todos razoáveis, ninguém diz que é contra porque quer fazer maldade, não é assim. O que o sr. fará quanto à política de eventos que marcou a Secretaria anterior? Eu não tenho nada contra os eventos, mas eu acho que isso não pode tapar os vazios da política cultural. Precisamos encaixar os eventos nas nossas diretrizes. Não quero chegar no final da gestão e fazer uma contabilidade do tipo: "ah, fiz 2 mil, 3 mil eventos por mês". Numa cidade desassistida, como é o caso de São Paulo, não posso suspender o que acontece. Uma regra básica é não manter uma estratégia de demolição. Se há algo que eu não estiver de acordo, temos que calcular uma forma de transitar do que há para aquilo que queremos que fique. Sempre uso como exemplo a área de saúde: somos contra o PAS, mas não podemos terminar com o programa amanhã e colocar algo no lugar, pois centenas de pessoas vão ficar sem assistência. Quero fazer as transições nessa secretaria mudando as coisas de forma gradual. O sr. poderia explicar do que se trata o projeto do Colégio São Paulo? O Colégio São Paulo é mais um nome do que uma idéia, do que uma definição institucional. Eu quero que essa definição venha depois de um certo período de experimento. Para explicar, vou usar um pouco de história. A Biblioteca Mário de Andrade, para muitas gerações, foi um ponto de encontro e de socialização cultural, que reunia intelectuais de expressão acadêmica e intelectuais autodidatas. Desde o Professor Antônio Candido, até o próprio João Sayad, que me contou que quando jovem ia lá discutir e alimentar-se de cultura. Além desse fato, temos assistido a alguns cursos fora da academia de muito êxito, como aqueles que o Adalto Novaes organizou pela Funarte. Que reúne um público cultivado, muito amplo, da classe média a alguns setores mais pobres com interesse cultural, fazendo desses espaços uma espécie de universidade aberta. Essas iniciativas tem uma acolhida muito grande, que sensibiliza milhares de pessoas na cidade. Com base nisso, temos a idéia de transformar aquele magnífico auditório da Biblioteca, para realizar uma série cursos, mensais, semestrais, semanais, sobre temas diversos, como cursos de introdução a filosofia, sobre história da literatura brasileira, sobre história do Brasil contemporâneo, curso de introdução à psicanálise... Trazer grandes nomes para isso, e tenho certeza que eles virão. Também faremos ciclos e seminários. Queremos fazer de lá um grande caldeirão onde possa fervilhar muitas idéias, acompanhando um aspecto importante que é o processo de revalorização do centro da cidade. A arquiteta nomeada para regional da Sé (Clara Ant) garante que apresentará em 90 dias um plano direcionado para esse programa, e queremos ver as várias formas que a Secretaria de Cultura vai contribuir. Uma delas, sem dúvida nenhuma, vai ser esse o projeto do Colégio São Paulo. Isso vai, inevitavelmente mexer com o centro, vai ser preciso iluminá-lo melhor, abrir novos comércios, bares. Nada melhor do que tomar um chope ou um vinho depois de um bom seminário. Terminado um primeiro ciclo, talvez daqui um ano, vamos estudar se não podemos transformar esse projeto numa instituição. Que funcione como uma espécie de College de France, uma instituição que tem cursos abertos para o público com grande professores, grandes mestres. A prefeita entende que essa é uma das prioridades, além da periferia. Se tivesse que se estabelecer duas prioridades, seriam as ações na periferia e no centro. Uma reportagem da Agência Estado apontou que só uma biblioteca da cidade, em Pinheiros, possui acesso à Internet. Há intenção de democratizar o acesso informática nas bibliotecas municipais? Se depender de uma decisão nossa, sim. Biblioteca que não está informatizada é depósito de livro. Mas devemos também estudar o problema de atualização de acervos. Nos últimos anos, segundo informações que o próprio Konder (Rodolfo Konder, secretário da Cultura de Celso Pitta) me passou, poucas compras foram feitas nesse sentido. Foi uma das coisas que o antigo secretário da receita vetou. O secretário atual já disse ser um entusiasta da compra de livros. Tendo a Mário de Andrade como referência, vamos reavaliar a biblioteca do Centro Cultural, e daí partir para todos os acervos periféricos. A questão da informatização daquelas que estiverem defasadas nesse tipo de serviço vem imediatamente depois. Qual experiência que o sr. trouxe da sua passagem pela Secretaria de Cultura de Campinas (1989 à 1990)? Muitas experiências ruins, o que só aponta para agora uma coisa: o que não vou fazer (risos). Em primeiro lugar, acho que a Secretaria lá pedia uma estrutura de formação cultural, que não pude começar, mas vou tentar fazer aqui. Ou seja, o trabalho na periferia vai criar e consolidar, aos poucos, novos públicos - isso tem que começar a ser feito. Não importa que num primeiro momento apenas 0,1% dos cidadãos sejam atendidos. Depois será 0,5%, depois 1%, até atingir muita gente. Em segundo lugar, acho que uma experiência positiva que tive foi que eu ouvi muitas pessoas, e vale correr esse risco. Mas agora sei que há momentos em que tem que se decidir coisas, e às vezes algumas decisões são decisões ásperas. Para fazer omelete tem que quebras os ovos, e eu lamento de não ter quebrado alguns lá. E quanto ao Plano de Governo das candidaturas de Lula, há algum reflexo daquelas diretrizes nessa gestão? Posso dizer que praticamente a filosofia daquele Plano de Governo é a mesma que estou aplicando aqui. Mas os problemas de política cultural do âmbito nacional são de outra escala. E não só pela amplitude e diversidade do país, mas também pelo fato de que os equipamentos e a complexidade institucional que o país tem é extremamente maior que a de São Paulo, embora São Paulo tenha um pouco disso, a cidade nesse particular é uma espécie de micro-cosmo - e não tão micro assim, talvez um "mezzo-cosmo" brasileiro - então eu diria que aqui enfrentaríamos muitas coisas parecidas. É uma cidade multi-étnica, multi-cultural, que abriga gente de todo o País e de todo o mundo. É preciso lembrar que as atividades culturais podem ter um efeito secundário extremamente importante na área econômica e social. Por que nós não podemos acoplar o projeto de primeiro emprego para jovens à área cultural? Todos projetos sociais da prefeitura, de uma maneira geral, possuem uma série de áreas nas quais poderíamos atuar na formação de pessoas altamente qualificadas, como design, moda, culinária, que são profissões que poderiam ter um bom impacto em determinadas regiões. Se você pegar um grupo de 50 crianças, deve haver cinco ou seis com vocação para desenho, no mínimo. Será que não é possível que essas pessoas se desenvolvam numa oficina de design, e sejam encaminhadas para empresas? O custo industrial disso aqui (pega o gravador) cai cada vez mais, mas os gastos do fabricante com marketing e design são cada vez mais elevados. Então certas coisas vão ganhar importância. E tem uma demanda dessas qualificações, e são atividades essencialmente culturais. Quando passou pela Secretaria da Cultura na gestão de Luiza Erundina, Marilena Chauí se desgastou bastante, chegando a dizer que não repetiria o feito, e ligou o desgaste à discrepância entre o ofício acadêmico e administrador. O sr. espera um tipo de pressão parecida com a que Marilena sofreu? Não. A própria Marilena me disse: "você vai se dar melhor do que eu". O problema é que para a Marilena a Secretaria de Cultura foi a primeira experiência político-administrativa pela qual passou. Ela teve um papel muito importante no PT e nas esquerdas em geral, em razão do brilho de sua inteligência. Com muita justeza ela recebeu esse convite, mas pagou o preço da experiência. Uma função como essa exige também esse tipo de qualificação - e longe de mim me comparar intelectualmete a ela - mas exige também um outro tipo de sensibilidade política que decorre da experiência. Sempre compatibilizei a atividade intelectual com uma atividade política. Talvez seja para mim um inconveniente, pois não sou nem um grande político nem um grande intelectual, mas tenho uma vantagem ao poder harmonizar as duas coisas com uma certa facilidade. É evidente que isso gera sempre uma insatisfação, pois esse exercício vai me pesar intelectualmente. Vou ter que encontrar um jeito para não ser emburrecido pela atividade administrativa e política - o que acho que vou conseguir mantendo minha aula de história na Unicamp, no mínimo. Isso vai me obrigar a ser mais disciplinado. Enquanto a prefeita discutiu bastante o surgimento da Fundação Teatro Municipal de São Paulo, há quem implore por ainda menos influência de iniciativa privada na instituição, como Cláudia Toni (atual diretora da Sinfônica do Estado e ex-diretora dos Corpos Estáveis do Municipal). Como deve ficar esse impasse? A Marta não pretende privatizar o Municipal. Isso não está em discussão. É essa nossa política de ação. Mas ao mesmo tempo quero dar agilidade e qualidade ao Municipal. Qualidade significa fazer com que ele esteja mais adequado às demandas das atuais apresentações, e que seus corpos estáveis tenham uma qualidade progressiva. Portanto, a fundação ainda vai ser examinada. Até porque a cidade hoje está se acostumando com uma grande orquestra, que é a Estadual, e não podemos nos curvar a isso. O Parque do Ibirapuera tem sido usado de maneira indiscriminada nas últimas gestões. Ele abrigou o Prodam, e ainda realiza eventos comerciais na Bienal, o que é ilegal (o parque não pode ser usado para fins econômicos). Como o sr. vê esses problemas e outros trâmites polêmicos, como a cessão da Oca à Associação Brasil +500? Nós vamos examinar toda parte jurídica, e a partir daí vamos fazer o que seja legal e do interesse do município. Não tenho condições de adiantar hoje mais do que isso, pois é um problema bastante polêmico também. A Prefeitura pretende disponibilizar o grande e pouco conhecido acervo de obras visuais que possui? Outro dia, enquanto conversava com (Carlos Augusto) Calil, ele me chamava atenção para o fato que uma das coisas cujo modelo deveria ser realmente mudado na nova gestão era a utilização da reserva técnica. É difícil muitas vezes disponibilizar tudo, pois temos problemas de espaço, catalogação, etc. Mas é muito injusto quando você não o faz. Temos que criar um esquema, seja pela criação de espaços ou de automativos como você sugeria, para tornar disponível ainda mais os nossos acervos. A nomeação de Carlos Augusto Calil para a direção do Centro Cultural São Paulo é um meio de favorecer as atividades audiovisuais, que sempre estiveram em segundo lugar quanto à biblioteca e outros módulos do centro? Um pouco. O que não significa que vamos esquecer as outras áreas. Eu disse para ele que o Centro Cultural São Paulo era um pequeno Pompidou (Centre National d´Art et de Culture Georges Pompidou, em Paris) - e nem tão pequeno assim -, e ele discordava. Mas Calil levantava só o lado mais nobre do Centro, pois ele abriga o Museu de Arte Contemporânea de Paris. E eu retrucava, pois grande parte das pessoas que vão ao Centro Pompidou são atraídas pela grande biblioteca do lugar, com mais de 500 mil títulos. E lá há pessoas extremamente motivadas pelo lugar, que o freqüentam para estudar, e ler, e fazer uma atividade cultural. Segundo os dados que o Konder (Rodolfo Konder, Secretário de Cultura da gestão de Celso Pitta) me passou, o Centro Cultural recebe 3 mil pessoas por dia, e se isso for certo, é uma brutalidade de gente. Então o que podemos fazer lá: a discoteca, que tem uma parte de difícil acesso por conta dos vinis, deve ser revertida em CD, no que então até podemos contar com iniciativa privada, por exemplo. E porque não criar um selo comercial para esses CDs? E obviamente, o Centro deveria cumprir um papel importante de espaço para o cinema de vanguarda. O Centro tem que servir para isso, pois pode contribuir para a formação de um certo público. Temos hoje uma diversidade cinematográfica muito menor do que o que há 30 anos. Não que não haja obras inspiradas no neo-realismo italiano, na nouvelle vague francesa ou no cinema novo brasileiro, cinema japonês. Não que esses países não despertem mais movimentos, mas houve uma poderosa transformação de industrialização da arte cinematográfica, liderada pelos Estados Unidos. Quando havia uma diversidade de escolha muito grande, isso se refletia também no público. E tem outro aspecto, se você é alguém interessado em literatura e quer ler os clássicos, você vai a qualquer biblioteca e encontra pelo menos os principais entre eles. Agora se você quiser ter acesso à cinematografia clássica, aquela essencial para se conhecer cinema, o acesso é dificílimo. Vou discutir com Calil uma maneira de reverter esse quadro, e tornar o acervo de cinema do Centro consultável.

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