Cenas em ambiente onírico

Martin Page cria parábola sobre o meio artístico em A Libélula dos Seus Oito Anos

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Por Tatiana Salem Levy
Atualização:

A Libélula dos Seus Oito Anos, novo romance do francês Martin Page, conta a história de Fio Régale, menina que desde cedo conheceu as infelicidades da vida e que, por força do acaso, se torna uma grande celebridade no mundo das artes.Autor do bem-sucedido Como me Tornei Estúpido, Page busca construir textos irônicos, em que revela o lado obscuro do mundo contemporâneo. A história de Fio é uma grande parábola do meio artístico, determinado pelas relações de poder, a inveja e a arrogância. Contrapondo-se à hipocrisia reinante, surge essa moça pura e verdadeira.Fio perdeu os pais e a avó ainda pequena e por isso foi obrigada a se virar para garantir o próprio sustento. Vive de forma pacata, e tem como única amiga Zora, sua vizinha e proprietária do apartamento onde mora. Até que, certo dia, cai nas graças de Ambrose Abercombrie, um marchand parisiense milionário que se encanta com os quadros pintados por Fio.Abercombrie está prestes a morrer, mas antes garante o futuro de Fio, lançando-a no mercado como a revelação do momento. A vida da personagem transforma-se radicalmente, e ela passa a ser o centro da atenção, circulando na grande mídia, tornando-se a queridinha dos melhores estilistas e dos críticos de arte. Mas o que o leitor percebe no decorrer da trama é que o diferencial de Fio não reside em sua criação artística, e sim na sua autenticidade, tão rara nos dias atuais. Embora seja conduzida para o estrelato, ela não perde a sua simplicidade original.A narrativa segue quase como uma fábula, num cenário onírico, em que as fronteiras entre fantasia e realidade perdem o sentido. Fio é levada para um lugar misterioso que nos faz pensar em Alice no País das Maravilhas ou nos filmes de Tim Burton - só que, no texto de Page, esses elementos parecem falsos e sem propósito.O importante na literatura não é descrever a realidade, mas construir um mundo que seja, por si mesmo, real. É nisso que Page fracassa, pois ao pretender se contrapor à artificialidade do ambiente artístico, termina por construir um mundo artificial, repleto de clichês e soluções fáceis. As críticas ao universo mesquinho são, na maioria das vezes, rasas e óbvias e não acrescentam nada de consistente àquilo que circula no senso comum. É verdade que o romance tem rompantes de lirismo, mas de forma geral é composto de metáforas sem força e de uma linguagem pouco trabalhada, reforçando a crise em que se encontra a nova literatura francesa.TATIANA SALEM LEVY É DOUTORA EM LETRAS PELA PUC-RIO E AUTORA DO LIVRO A CHAVE DE CASA (RECORD)

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