CD é exercício poético da simplicidade

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Por Agencia Estado
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Dita é uma mocinha prendada como ela só, que adora fazer pães deliciosos e mora com o avô lá pelas bandas de Jaguarão-Quiri, uma cidade fictícia do interior do Brasil, famosa por sua festa anual das fitas. Ela carrega dois grandes amores na vida: o ofício do pãozinho bem-feito e o moço Zé Nego, uma saudade escondida. É essa sua história singela, sem final feliz, que está contada no CD A História da Dita, lançado no fim do ano passado pela gravadora MCD e na marca dos 2 mil exemplares vendidos. "Isso sem o auxílio da mídia, ou seja, esta é a primeira entrevista concedida à imprensa, depois de quase cinco meses do lançamento", diz Luiz Bueno, violonista do Duofel, que fez todos os arranjos do disco e assina a direção musical e a produção artística do trabalho. A História da Dita é a melhor obra desse gênero lançada em São Paulo nos últimos tempos. Quem ouve pega gosto logo de cara, encanta-se com a simplicidade da proposta, com a singeleza da história, com a riqueza musical de cada faixa. É para crianças e também para adultos, sobretudo para quem tem raízes no interior do País ou já freqüentou quermesses alguma vez na vida - conclusão, é um CD para todos nós. O grande trunfo do lançamento, à venda em São Paulo nas megastores como Fnac e Livraria Cultura, é tratar de regionalismo de forma universal, falar do particular de um jeito abrangente. Como? "Com a simplicidade regendo todo o trabalho" responde a cantora Carla Aducci, autora das músicas e do texto narrado no CD. É ela também quem interpreta todas as canções e faz a narração da história, emprestando sua voz para cada um dos personagens. Carla, que também é cantora de um grupo de gafieira e já gravou discos de música brasileira na Itália, onde morou por um bom tempo, começou a criar A História da Dita em 1994. Parou com 30% do trabalho pronto. Retomou as composições no ano passado, quando conheceu Luiz Bueno em um dos "saraus" que ele promove nas madrugadas de toda quarta-feira em seu apartamento de Perdizes, "com o apoio dos vizinhos". Daí em diante, foi tudo muito rápido, inaugurando uma parceria feliz. "Ela me trouxe as canções do disco, mas achei que não combinavam com a proposta do regionalismo do texto, eram todas muito com cara de MPB contemporânea", conta Bueno, que refez todos os arranjos com o aval da compositora. Virou um festival assumido de brasilidade, com catira, moda de viola, repente, baião, afoxé e até banda de coreto. "Não é só interior de São Paulo ou de Minas, é tudo, é o Brasil inteiro, é um turbilhão de sons, uma colcha de retalhos em forma de música", define o arranjador. Carla Aducci, por sua vez, também estava muito interessada nessa profusão de sons brasileiros. "Desde criança, eu discutia muito com as professoras de português", relembra. "Por que se preocupar exclusivamente com o desenho das palavras com o jeito que elas devem ser escritas, representadas no papel e não se ocupar também dessa riqueza que é o som que elas têm, o barulhinho delas, o viche, o ôche, o uai, o inté?" Tudo isso está em "A História da Dita", sem tom de aula de dialetos nem pretensões sociológicas. É um exercício poético de como ser simples. "Mais do que falar do interior, o disco trata da humildade de quem vive no interior", acrescenta Carla. Além dessa questão do som das palavras, o que interessava transmitir às crianças, segundo Carla, era o respeito pela ética das relações. Ela explica: "Dita não fica com Zé Nego no fim, porque o caminho dele é outro e ela entende e respeita isso. É um jeito de contar para as crianças por que, muitas vezes, seus pais se separam. Amar é também aceitar o caminho do outro e isso é pura lição de ética." A única música do CD que não é de autoria de Carla Aducci é Isso É muito Bom, de Chico Anísio e Arnô Rodrigues, tema de um dos personagens do antigo programa Chico City. "A letra é um trava-línguas maravilhoso e fala de um avô sentado na varanda, exatamente do que eu precisava para o personagem do Véio Vô, o avô da Dita", conta ela. Livro infantil - Carla está tentando emplacar um projeto de transposição do CD para um livro infantil, com ilustrações impagáveis de sua modesta lavra (a exemplo do encarte do disco). Já recebeu um polido ´não´ de uma grande editora paulistana, que alegou não trabalhar com essa linha de texto em linguagem oral, fora da norma culta, referindo-se a frases como "Dita pariceu ficar surda do zóio, zoreia e zovido" ou "Fala manso, intonse, Véva, tá difícil de intendê; eu vô ficá com muita réiva se ôce num escraricê." Sobre a força poética desse texto, não houve comentário. Outro projeto é levar A História da Dita para o teatro, na forma de um grande musical. Com a trilha toda composta, meio caminho já foi andado. Interessados em ajudar na outra metade desse caminho, na forma de patrocínio, podem falar com Luiz Bueno pelo telefone (0--11) 3864-7843 ou pelo e-mail duofel@uol.com.br. Carla Aducci e Luiz Bueno querem também repetir a parceria de A História da Dita em um novo CD para crianças, aproveitando, segundo eles dizem, a sensibilidade do dono da gravadora MCD, Eduardo Muscatz. "Ele gosta de investir nos sonhos da gente", elogia Bueno. Carla já está compondo as canções, que vão falar de boitatá, caipora, saci, mula-sem-cabeça. Luiz Bueno, paralelamente a isso, coordena para o Instituto Ayrton Senna a criação de um projeto cultural em torno do personagem Seninha. Com o Duofel (ele e Fernando Melo), é finalista do 4.º Prêmio Visa de MPB - Edição Instrumental e prepara um CD, pela gravadora Trama, em parceria com a Orquestra Jazz Sinfônica.

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