Catálogo registra obra de Barrio de 1968 a 2000

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Por Agencia Estado
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Fosse o tempo em que a arte era divulgada em cadernos artesanais fabricados pelo próprio artista e distribuídos pelo correio (quando não, de mão em mão), A Metáfora dos Fluxos, registro da obra de Artur Barrio, seria lançado em um veículo mais condizente com o seu conteúdo. O catálogo refere-se principalmente à exposição homônima, que será encerrada segunda no Paço das Artes com o lançamento da publicação, realizada pelo próprio Paço e pelo MAM do Rio e da Bahia. Com 152 páginas, o livro custará R$ 30,00 durante este mês, depois passará a custar por R$ 45,00, nos três museus que recebem a indivudual. Embora o experimentalismo de Barrio permaneça atual como era nos anos 70, a exibição de seu trabalho se adapta aos formatos atuais: exposições itinerantes em museu, seguida de lançamento de catálogo e CD-ROM (a exposição que deu origem ao catálogo será exibida a partir de abril no Rio e em junho, em Salvador). Mas o fato é que poucas obras reproduzidas no livro hoje se encontram como foram fotografadas. A criação de trabalhos que se transformam (quando não simplesmente se desmancham) é uma das estratégias do artista português para evitar o confinamento de suas criações em museus. O que não impede colecionadores de guardarem registros seus como livros e cadernos, a exemplo de Gilberto Chateaubriand, que emprestou sua coleção ao Paço. ?São apenas anotações de arte e não obras de arte?, ressalta o artista plástico. Um dos textos do livro, originalmente escrito por Agnaldo Farias para o catálogo Universalis, da 23.ª Bienal de São Paulo, analisa essa dificuldade em capturar as experiências de Barrio, classificá-las ou dividi-las em categorias. Afinal, são trabalhos que envolvem, por exemplo, a transformação da matéria pelo tempo, como é o caso dos sacos de dejetos orgânicos e as célebre trouxas de carne, que espalhou pelas ruas cariocas nos anos 70 e tiveram sua decomposição acompanhada pelo público da cidade. Ou ainda os Rodapés de Carne, instalações realizadas com carne bovina e as e Situações PH, de papel higiênico. ?Como já é patente na descrição desses trabalhos, ou situações, como definia o próprio artista, tornava-se muito difícil caracterizá-los como obra de arte, mesmo que se tenha em mente o grau de experimentação daqueles anos?, escreveu Farias. Para a exposição que deu origem ao livro, a curadora do Paço das Artes, Daniela Bousso, resolveu o dilema em expor um trabalho destituído (pelo próprio autor) de qualquer vocação museológica, exibindo-o de maneira pouco convencional. Ela, que também assina um dos textos do catálogo, recorreu à refotografia (em grande parte realizada por Vicente de Mello, sobre imagens de César Carneiro, Sonia Andrade e Lauro Cavalcanti) e à identificação manuscrita dos trabalhos que participaram da parte antológica da individual. As imagens (mais de 130 delas reproduzidas na publicação) estão expostas em uma altura diferente da linha dos olhos do espectadores. Assim como os cadernos e livros de artista, essas fotografias estão identificadas por textos escritos manualmente. Mas essa forma de evocar as décadas da arte conceitual não pôde ser transposta para o catálogo, que tem projeto editorial de Daniela Bousso e André Lenz. O livro, entretanto, cumpre o papel de registrar os muitos momentos pontuais da criação de Barrio, desde o fim da década de 60 até as fotografias inéditas da instalação que criou especialmente para a exposição do Paço. São cenas de um ambiente de 500 metros quadrados com iluminação rebaixada, delimitado espacialmente por paredes pretas rabiscadas com frases panfletárias. Dentro desse compartimento, Barrio distribuiu uma caixa d?água, um colchão embebido de urina, uma lata de café e peixes. Como chama a atenção o curador e crítico Paulo Herkenhoff, ?a arte de Barrio expõe o constrangimento econômico do Terceiro Mundo.? Ele lembra no texto escrito para a publicação, da justificativa prestada por Barrio na década de 60 para a utilização de materiais precários na confecção de seu trabalho. No Manifesto da Estética do Terceiro Mundo, Barrio descreve sua situação, como a de muito artistas contemporâneos seus, impossibilitados de trabalhar pr não terem dinheiro para comprar os materiais usados para fazer arte, nem local para expor sua produção. Ele propõe a utilização de meios de fácil alcance para a exibição pública das obras, como uma saída para essa situação. Embora a sua condição em particular tenha mudado (ao menos, não lhe falta lugar para expôr hoje em dia), Barrio preserva o antigo discurso em seu trabalho. Se o peixe e o sal marinho impregnam a sala do Paço, não é apenas para causar o estranhamento do perecível, mas também para reafirmar, dentro do museu, que as regras e a cultura das instituições brasileiras ainda não comportam a criatividade do artista brasileiro. A Metáfora dos Fluxos é um importante registro desse discurso artístico de 30 anos.

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