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Casais

Casal numa mesa de restaurante. Enquanto esperam a comida, cada um olha o seu celular. Não se falam. O tempo passa. Então:

Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

– Que coisa triste – diz o homem.

– O quê?

– O que postaram aqui no meu celular. Um casal numa mesa de restaurante, os dois entretidos com seu celular e nem se olhando.

– Deixa ver...

O homem vira a celular para a mulher ver.

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– Triste mesmo. Serão casados?

– Certamente. Namorados não ficam assim. Se fossem namorados estariam de mãos dadas, olhos nos olhos. São casados. E há tempo.

– Como é que um casal chega a esse ponto? Cada um no seu mundo, longe um do outro...

– Talvez tenham brigado.

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– Você acha? Acho que não. Acho que é puro tédio.

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– Você tem razão. Tédio. Tédio terminal. Eles não têm mais sobre o que conversar. Já disseram tudo que tinham para dizer, um pro outro.

– Eles não têm mais ilusões a respeito do casamento. Foi bom enquanto durou, agora eles estão só cumprindo a tabela. O amor acabou. Foi cada um para um lado, mas continuam juntos. Talvez por causa das crianças.

– Imagina como será a volta deles para casa. No carro, ela pergunta “o que você achou da comida?” e ele diz “Ahn...”.

– “Ahn”, você acha?

– Não. Não dirão nada. Nem no carro nem em casa.

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– Será que eles ainda fazem sexo?

– Não. Usam o celular. Se deitam na cama lado a lado e ele liga para o celular dela. E pergunta “Você está com vontade?” E ela diz....

– “Ahn.”

– O quê?

“Ahn.” Significando nada. Nem sim nem não. O som do tédio. O som do amor se esvaziando, como um balão de aniversário. Isso se ela não imitar a voz da operadora e disser “sua mensagem está sendo encaminhada para a caixa postal e estará sujeita a cobrança após o sinal”. O que significará que já estão na fase do sarcasmo, que precede o rompimento total.

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– Triste, triste.

– Escuta... E se este for o último jantar deles, antes que um mate o outro?

– Será?

– Eles se odeiam. Não podem mais se ver. Hoje mesmo, um vai matar, o outro vai morrer.

– E as crianças?

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– Quem disse que eles têm crianças? Ou ele mata ela, ou ela... Espera um pouquinho

– Que foi?

– Agora vi o homem com mais clareza... E sou eu!

– Você?!

– E a mulher é você! Nos filmaram aqui nos restaurante e me mandaram o filme pelo celular.

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– Quem foi?

– Sei lá. Já deve ter ido embora.

– De qualquer jeito, foi bom isto ter acontecido. Fazia tanto tempo que a gente não conversava, né?

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