"Carmen" abre temporada 2002 do Municipal de SP

Com direção cênica de Carla Camurati e musical de Jamil Maluf, montagem tenta escapar aos clichês e se aproximar da idéia original de Bizet. Entra sexta em cartaz

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Por Agencia Estado
Atualização:

O amor, a tragédia e a paixão de Carmen abrem amanhã a temporada do Teatro Municipal, em São Paulo. Após a estréia no ano passado no Alfa, a produção promete algumas novidades, a principal delas a presença de Carla Camurati à frente da direção cênica. No ano passado, após ter concebido o espetáculo, a diretora precisou se afastar da produção, passando o trabalho a Hamilton Vaz Pereira. Mudanças à parte, a proposta de uma Carmen que volta ao original de Bizet para ser diferente e escapar de clichês parece ainda estar em pé. O elenco da produção é basicamente o mesmo do ano passado. A diferença é que, agora, é formado apenas por brasileiros. A meio-soprano Luciano Bueno interpreta Carmen, o tenor Marcello Vanucci é Don José, Micaela será interpretada pela soprano Guiomar Milan e o barítono Paulo Szot, que fará sua estréia na City Opera de Nova York, no ano que vem, neste mesmo papel, canta Escamillo. Completam o elenco Denise de Freitas, Solange Siquerolli, Adriano Pinheiro, José Gallisa, José Antônio Soares, Eduardo Amir e Duda Mamberti. "Em uma série de Carmens que já assisti, no Brasil ou no exterior, me chamou a atenção o fato de que, muitas vezes, o uso demasiado de elementos como o vermelho, o salto alto, a idéia da mulher fatal, fazia com que o tom das montagens destoasse da história. Muitas vezes, em função da alma livre da personagem, corre-se o risco de criar visões por demais caricaturais", diz Carla à reportagem. Da mesma forma, por exemplo, ela optou por uma concepção não realista dos cenários, assinados por J.C. Serroni. "A ópera se passa em quatro ambientes bastante distintos e não acho que poderíamos simplesmente abolir esses espaços. O que tentei fazer foi criar uma estrutura com grafismos, traços que conseguissem mostrar, cararacterizar esses ambientes." Para Carla, o que mais chama a atenção na história da ópera é a relação de Carmen com os homens, a idéia de um amor sem culpa, uma personagem capaz de amar intensamente dois homens tão distintos. E, além disso, a música de Bizet. "Montagens passam, mas ela sobrevive, é o que há de mais lindo. É impressionante ver como ele conseguir transformar, de modo fantástico, sentimentos tão diferentes em música." Música a respeito da qual disse, certa vez, Richard Strauss: "Cada nota, cada pausa, está exatamente no lugar certo." Retorno - O caminho para evitar os clichês na hora de compor o espetáculo foi voltar-se sempre ao original de Bizet. O que, entre outras coisas, significou recuperar os textos falados, tornando, segundo Carla, "o ensaio de ator importantíssimo", uma vez que, neste caso, não há música que pontue a fala, um dos exemplos que mostram quão longo pode ser o caminho de volta ao original de Bizet. Na época de sua estréia, em 1875, Carmen foi um grande fracasso. Apesar dos vários cortes feitos antes da primeira apresentação pelo próprio Bizet, a presença de uma personagem pré-realista, forte, distante da heroína romântica, nos palcos da Opéra-Comique, não agradou muito ao público parisiense. E a ópera foi rapidamente deixada de lado. Poucos anos depois, porém, voltava à cena, em Viena. Só que, nesse caso, com uma série de alterações feitas por Ernest Guiraud - bem-intencionado amigo e aluno de Bizet -, que trocou os diálogos por recitativos. Muitos críticos já chamaram a atenção para o fato de que é com os diálogos originais que Carmen se torna mais interessante e até inventiva. No entanto, o "bom trabalho" de Guiraud fez com que a sua versão se tornasse a oficial, mais executada em teatros do mundo todo. Foi apenas em 1964 que o musicólogo Fritz Oeser recuperou a versão original de Bizet, sem os recitativos de Guiraud, recolocando os diálogos originais. Ou, parte deles, uma vez que, apesar de ser a que mais se aproxima das intenções do compositor, a versão de Oeser também contém alterações quanto ao original, em especial indicações cênicas. A versão utilizada por Jamil Maluf é a de Oeser que, além dos diálogos, recupera os melodramas - espécie de transição entre canto e fala - escritos por Bizet. "Nesses momentos, o cantor fala e a orquestra toca, o que é uma característica típica de algumas obras de Beethoven, por exemplo." Posto isso, o conceito inicial de evitar exageros e uma interpretação extremamente caricata, explica Maluf, também passa por sua concepção musical, em um caminho que vai contra fórmulas fáceis para atrair o público. "É comum tocar a música sempre muito forte, passando por cima das gradações dinâmicas de Bizet", afirma o maestro, que também acredita estar na simplicidade e no respeito à partitura o segredo para uma boa "Carmen". "É impressionante a expressividade que Bizet consegue, utilizando recursos tão simples e efetivos." De novo... - Maluf também faz questão de ressaltar, talvez já se adiantando a críticas, que acha extremamente interessante a repetição de uma produção tão pouco tempo depois de sua primeira estréia. "No Brasil, temos o péssimo hábito de montar uma ópera, guardar o figurino, e jogar fora os cenários. A ópera é um espetáculo caro e quanto mais utilizarmos as produções, mais retorno ela vai dar. Além disso, este tipo de atividade, tão comum lá fora, onde produções duram décadas, garante mais emprego para cantores." Mas não é só no campo financeiro que Maluf vê vantagens. Além da constante renovação do público, ele chama a atenção para a possibilidade de os artistas aprofundarem musicalmente o repertório. "Ao revisitar um repertório, os artistas podem avançar um passo na interpretação, entrar mais na obra. A atividade de fazer música melhora com o tempo, com a maturidade." Carmen. Regência e direção musical Jamil Maluf. Direção cênica Carla Camurati. Sexta, terça, quinta e sábado (16) às 20h30; domingo,às 17 horas. De R$ 5,00 a R$ 60,00. Teatro Municipal. Praça Ramos de Azevedo, s/n.º,São Paulo, tel. 222-8698. Até 16/3.

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