Carlos Zara, de engenheiro a galã

O ator e diretor, que morreu hoje aos 72 anos, chegou a se formar engenheiro, mas trocou a profissão por uma bem-sucedida carreira de artista. No currículo, 30 novelas, 26 peças e 4 filmes

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Por Agencia Estado
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Quando gravou sua participação especial no seriado Mulher, exibido pela Globo entre 1998 e 1999, o ator Carlos Zara negava-se a aceitar o fato como sua despedida da televisão, apesar da dificuldade de locomoção - por causa de uma neuropatia periférica, doença que o impedia de andar, ele era obrigado a usar uma bengala e duas próteses no tornozelo. "Não foi um adeus, só um até logo", disse. As cenas porém, foram derradeiras: aos 72 anos, Carlos Zara morreu hoje de manhã, por causa da falência múltipla de órgãos e insuficiência respiratória. O ator estava internado no Hospital Sírio-Libanês havia cinco dias por causa de uma broncopneumonia. Segundo nota de falecimento divulgada pelo hospital, ele tinha carcinoma no esôfago e morreu às 5h45, ao lado da mulher, a atriz Eva Wilma, com quem era casado havia 25 anos, e familiares próximos. O velório ocorreu no próprio Sírio-Libanês. Em 50 anos de carreira, ele participou de 30 novelas, 26 peças e 4 filmes. Na televisão, passou por praticamente todas as emissoras, como Record, Excelsior, Tupi e Globo, com a qual manteve um contrato de mais de 20 anos, mesmo nos mais recentes, quando esteve impossibilitado de atuar. "Ainda apostam no velho Capitão, eu sei", disse o ator a Giuliana Reginatto, do Jornal da Tarde, em entrevista publicada em outubro. A patente era uma referência ao personagem que ele julgava o mais marcante de sua carreira, Capitão Rodrigo, do romance O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, adaptado pela Excelsior, em 1967. Um sucesso tão grande que, quando a emissora fechou as portas em 1980, Zara, que ficou desempregado durante sete meses, sustentou-se graças aos convites para participar de bailes de debutantes, à custa do sucesso do personagem. Outro papel marcante foi o de Marcos, galã da primeira versão da novela Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro, produzida pela Tupi em 1973. Obrigado a fazer mechas claras no cabelo, o ator conquistou as fãs. Também durante a novela, ele iniciou o relacionamento com Eva Wilma, que interpretava as gêmeas Ruth e Raquel na história refeita pela Globo, em 1993, quando Zara também atuou em um papel menor. Piano - Carlos Zara, cujo nome completo era Antônio Carlos Zarattini, nasceu em Campinas, interior de São Paulo, no dia 14 de fevereiro de 1930. Mudou-se para a capital disposto a estudar engenharia civil, mas, apesar de formado pela Politécnica, decidiu-se pelo teatro. "Na verdade, eu queria tocar piano, era louco por música clássica", disse ao JT. "Depois de oito anos de muito estudo e pouco progresso, me convenci de que não tinha talento para ser concertista." A estréia nos palcos ocorreu em 1953, com a peça Cama para Três, sob a direção de Dulcina de Moraes, ao lado de Sérgio Cardoso e Vera Nunes, no Teatro Bela Vista. Sua elogiada atuação convenceu Nydia Lícia a integrá-lo na companhia que ela dirigia com Sérgio Cardoso. Ao longo da carreira, atuou ainda em O Assalto, Hamlet, A Raposa e as Uvas, Desencontros Clandestinos, Quando o Coração Floresce e O Lampião, entre outras. Foi na televisão, porém, que se dedicou durante mais tempo, participando já em seus primeiros anos - chegou à Record em 1956. Entre as novelas, gostava de destacar Dez Vidas, As Bruxas, A Barba Azul, Pai Herói, Baila Comigo, além de Mulheres de Areia. Na Tupi, exerceu inúmeras funções: produção, atuação, direção e ainda se tornou supervisor da emissora, coordenando sua programação. Uma atividade que não lhe provocou grandes recordações. "A arte não deve misturar-se com a burocracia", justificava. Já na Excelsior, Zara chegou a dirigir o núcleo de teledramaturgia aproveitando a experiência que acumulara na Record, na qual dirigiu adaptações de clássicos da literatura para o Grande Teatro Record, em 1960. A troca de emissoras ocorreu depois que a Record desistiu de investir nas adaptações, preferindo projetos mais comerciais. "Fui embora sem nem receber o último salário", contava. Na Excelsior, utilizou seus conhecimentos de engenharia para participar do projeto dos estúdios da emissora na Vila Guilherme, substituindo o espaço onde hoje funciona o Teatro Cultura Artística. Durante os anos de regime militar, Carlos Zara enfrentou uma série de problemas com a ditadura por causa da prisão de um irmão. O assunto voltou à sua vida anos depois, mas por meio da arte: participou de Pra Frente, Brasil (1983), filme de Roberto Faria que, por fazer denúncia do uso da tortura, ficou proibido pela Censura durante quase um ano. Em toda a sua carreira, Carlos Zara valorizou a função que mais gostava de exercer, a de ator. "Quando se está no palco, é fácil esquecer por algumas horas as dificuldades da sociedade para desenvolver nossa criatividade", dizia.

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