Carioca ocupa Guggenheim de Bilbao

Museu ganha retrospectiva do artista Ernesto Neto

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Por Camila Molina
Atualização:

Dançando debaixo de uma árvore, olhando-a como se fosse um pulmão, o artista Ernesto Neto descobriu, como conta, uma frase – “A Terra é o corpo”. Escrita em néon e em círculo, é ela que vai receber os visitantes da grande exposição que o carioca inaugura no próximo dia 13 no museu Guggenheim de Bilbao, Espanha.

 

 

 

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O Corpo Que Me Leva, título da mostra, apresenta obras criadas pelo brasileiro desde 1989, como o trabalho Copulônia, uma de suas primeiras experiências com formas orgânicas, neste caso, feitas de meias de nylon que carregam esferas de chumbo – “semente de tudo”, ele a exibiu pela primeira vez na Galeria Macunaíma da Funarte, no Rio –, até a monumental Leviathan Thot (Fêmea) de 2006. Dependurada no átrio do edifício, na “garganta” do espaço interno do museu – que, do lado de fora, é a expressão máxima da arquitetura espetaculosa de Frank Gehry –, a instalação faz menção ao organismo feminino e ao monstro do mar descrito no Antigo Testamento.

“Acho que a gente tem visto a Terra como imagem, e há anos trabalho com essa transição do corpo para a paisagem, da paisagem para o corpo. Precisamos ver a Terra como um corpo para termos com ela uma interlocução mais profunda, menos extrativista. A exposição é calcada nesse pensamento”, diz Ernesto Neto, que participa agora da montagem da mostra, concebida com a curadora-chefe do Guggenheim Bilbao, a belga Petra Joos. Não se trata de uma retrospectiva, prefere definir o artista, prestes a completar 50 anos e desde a década de 1990 celebrado na cena internacional. “A exposição não é pensada linearmente, é um acontecimento atemporal.”

A mostra, considerada uma das maiores individuais do brasileiro no exterior (não há itinerância prevista), é formada por nove núcleos. Leviathan Thot (Fêmea), já exibida na França, é tão grande, que será apresentada em Bilbao apenas em um quinto de seu tamanho, ficando a 55 metros de altura com suas formas molengas feitas de nylon, bolas de espuma e de areia. Debaixo da instalação estará Olhando o Céu (2013), com “macas-carrinhos de bate-bate” para o visitante se deitar e ver, em movimento, a obra.

A exposição, em cartaz até 18 de maio, é também pensada como um organismo, conta o escultor, mas de um colibri – ou como nove partes de uma “abelha-beija-flor” (com cabeça, antenas, asas, enumera). “Eu e Petra pensamos no que seria importante mostrar e fomos encaixando as coisas no espaço”, conta. Há, por exemplo, uma versão de sua obra Tambor, que ocupou o Museu de Arte Moderna de São Paulo em 2010, e outras criações participativas.

Diversão. Tendo como “grande avó” a artista Lygia Clark e seu conceito de participação do público na obra de arte, os trabalhos de Ernesto Neto são criações sensoriais (principalmente, suas peças feitas com especiarias), pensados para a relação com o corpo e estimulados pela reflexão sobre o brasileiro e a miscigenação. “Precisamos estudar os índios, os africanos, a conexão da nossa cultura com a japonesa”, afirma. Ele cita como uma novidade em sua pesquisa a experiência recente que teve em agosto no Acre, quando visitou a comunidade indígena Huni Kuin. Para o índio, “a cultura se transforma em natureza e a natureza em cultura”, explica Ernesto Neto – dessas reflexões, surgiu a frase “A Terra é o corpo”, seu comentário atual para o título da famosa instalação de Lygia Clark, A Casa É o Corpo, de 1968 (uma época de “interiorização” que agora “se expande para uma camada ecológica”).

“Nosso colibri quer muito voar, beijar as flores, trazendo pólen daqui para lá. Que a vida nos carregue! Chega de venerar a morte”, afirma Ernesto Neto. “Me perguntaram sobre o caráter de viver, divertir, aproveitar, que existe no meu trabalho. Acho que Jesus defendia que devíamos nos divertir. A polícia matou Jesus e eu não gosto de quem mata as pessoas libertárias”, diz o artista, fazendo referência, também, aos protestos que ocorrem desde o ano passado em todo o mundo.

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