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Luzes da cidade

Capitalismo filantrópico

A foto do casal Mark Zuckerberg e Priscilla Chan com a pequena Max era acompanhada da notícia: O fundador do Facebook e sua mulher decidiram marcar a chegada da filha Max com a doação de 99% de sua fortuna, a maioria em ações do Facebook, avaliadas em US$ 45 bilhões. A rede social explodiu em elogios ao desprendimento dos multibilionários. Durante uma hora. E começou o questionamento. Caridade não é, disseram analistas financeiros, destacando que o casal não estava criando uma fundação, como a de Bill e Melinda Gates, mas uma companhia LLC. É um tipo de empresa usada com frequência por ricos para proteger fortunas pessoais, por ser um escudo contra perdas das corporações que fundaram, entre várias outras vantagens.

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

Uma companhia LLC pode investir em empresas, fazer lobby por causas ou doar dinheiro ou ações para fundações sem fins lucrativos, neste caso, deduzindo impostos. Depois de consultar um professor de Direito Tributário, Jesse Eisenger escreveu, no New York Times: tendo acumulado uma das maiores fortunas do planeta, Zuckerberg provavelmente não pagará impostos sobre a maior parte dela.

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Diante da reação, Zuckerberg insistiu, em sua página no Facebook, que não estava recebendo nenhuma dedução por transferir ações para a Iniciativa Chan Zuckerberg. “Mas ganhamos flexibilidade para executar nossa missão de maneira mais efetiva,” disse.

Aqui, lembro uma história de inflexibilidade. Em 2010, Oprah Winfrey reuniu três convidados em seu programa: o governador de Nova Jersey e atual lanterninha da campanha presidencial republicana Chris Christie, o então prefeito de Newark Cory Booker e Mark Zuckerberg. Fingindo surpresa, Winfrey arrancou do tímido bilionário a notícia: ele ia doar US$100 milhões para a educação em Newark, a cidade pôster para decadência urbana, pobreza e crime. O plano da trinca era dar, em cinco anos, um choque de inovação para resgatar a juventude da cidade de um futuro sem perspectivas.

A doação exigia que Newark levantasse outros US$ 100 milhões. Cinco anos e US$ 200 milhões depois, o plano é um consumado desastre, por motivos que não tenho espaço aqui para enumerar, mas estão esplendidamente descritos num livro. The Prize (O Prêmio), de Dale Russakoff, seria um bom presente de Natal para Geraldo Alckmin. O livro de Russakoff é uma crônica de boas intenções – aprimorar a educação – atropelando a realidade local com noções tamanho único de gestão empresarial, sem consideração pelos envolvidos na batalha cotidiana – professores, alunos e seus pais. Mark Zuckerberg pagou US$ 100 milhões para aprender como não se faz. Mas quem vai reembolsar o futuro dos estudantes de Newark?

A colunista está criticando um bilionário por se separar de seu dinheiro em nome da educação? De jeito nenhum, defendo a importância do chamado terceiro setor. Em 2010, Bill Gates e Warren Buffett, dois dos homens mais ricos do mundo, lançaram um desafio aos colegas bilionários para doar pelo menos metade de sua fortuna em vida. A Fundação Bill e Melinda Gates distribuiu, em 2014, quase US $ 4 bilhões, a maior parte para combater doenças como a malária.

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Mas a emergência do filantrocapitalismo, num momento de aumento da desigualdade, requer que se olhe os dentes do cavalo dado, como argumenta John Cassidy, na revista New Yorker. Enormes somas são estacionadas fora do alcance do fisco e o custo destas megadeduções para os cofres públicos ainda não é conhecido. No caso da combalida Newark, os milhões de Zuckerberg foram usados para beneficiar desproporcionalmente modelos de escolas que operam de forma independente da educação pública.

Sob o escudo do terceiro setor, um punhado de pessoas tem um poder sem precedentes de influenciar políticas públicas como educação e transportes. Tudo isso sem receber um só voto nas urnas.

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