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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Caos calculado

Em sete anos caiu em 15% o número de empresas que trabalham com cultura no País

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Atualização:

Antes das desgraças da semana que amanhã chega enfim ao fim, até que nos divertimos um pouco com a insânia presidencial. Acusar Leonardo DiCaprio de financiar as queimadas na Amazônia foi demais. Embora, no fim das contas, frustrante. Ficamos esperando que o presidente acusasse Brad Pitt de haver financiado Adélio, o esfaqueador acidental, e Angelina Jolie de insuflar populações indígenas contra garimpeiros e madeireiros no Cerrado, e nada. 

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Não sei se faltou imaginação ao capitão ou seus áulicos o convenceram de que ele fora longe demais em sua demente escalada acusatória. Ou, hipótese mais provável, era só aquilo mesmo: uma mentira bem espalhafatosa para desviar a atenção das investigações sobre as alegadas ligações dos Bolsonaro com as milícias e o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes y otras cositas más. 

Pois esse é o jeito de governar do capitão, fiel discípulo de Steve Banon, o Maquiavel digital da extrema-direita internacional, o estrategista do “caos calculado”, para quem uma fake news mil vezes repetida talvez não vire verdade, mas espanta, atemoriza e distrai a patuleia e o comentariado político. Trump também governa assim, o vade-mécum é o mesmo.

Que outras patranhas inacreditáveis não estarão engatilhadas para envolver sob espessas cortinas de fumaça as eventuais consequências da barbeiragem contábil da equipe do Guedes denunciada pelo Financial Times e do powerpoint de Joice Hasselmann, também na quarta-feira? 

Para sorte do capitão e nosso azar, não lhe faltam parceiros na contínua ramboiada a que seu governo se reduziu. Quando não é ele a disparar disparates diversionistas, seus ministros e apaniguados se incumbem de provocar estupor e troça, com uma proficiência jamais manifesta nas funções para as quais são sustentados com os nossos impostos. 

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Escolhidos pela mesma lógica das provocações presidenciais, formam um bando de ineptos sicofantas, mentalmente abduzidos pelo olavismo, de quem até a direita minimamente ilustrada e civilizada prefere guardar distância. 

Terraplanistas, tartufos evangélicos, revisionistas boçais, eles se superam quase que diariamente na vã tentativa de desqualificar a racionalidade, a ciência, a cultura, a religiosidade humanística e a convivência diplomática. Não administram nem protegem, apenas destroem o que lhes cabe gerir e resguardar, sejam florestas, princípios civilizatórios, verdades históricas, evidências científicas, e o que mais esteja aos cuidados dos ministérios do Meio Ambiente, da Educação, da Cidadania e das Relações Exteriores, não por acaso os mais afinados com a política de terra arrasada do bolsonarismo.

A bizarra expiação de Leonardo DiCaprio pelo duce do Planalto mal começara a provocar gargalhadas mundo afora, quando o novo presidente da Biblioteca Nacional, Rafael Nogueira, youtuber monarquista e orgulhoso cobaia de uma bem-sucedida olavagem cerebral, e Danilo Mantovani, novo presidente da Funarte, ambos nomeados pelo secretário de Cultura Roberto Alvim, aquele que recentemente agrediu Fernanda Montenegro, iniciaram uma cruzada obscurantista contra Caetano Veloso, os Beatles e outros que, em sua obtusa visão, incentivaram entre nós o analfabetismo, o consumo de drogas e o aborto. 

Imaginem que males terríveis esse trio deve atribuir à insaciável “satisfaction” e à “simpatia pelo diabo” dos Rolling Stones.  Com essa malta de brucutus indisfarçavelmente movidos pela inveja e pelo ressentimento comandando a cultura, estrangulando o melhor do cinema brasileiro - logo agora, numa de suas fases mais fulgurantes -, só os muito otimistas não receiam uma nazificação em massa das artes e da reflexão no país, pari passu com as grotescas intervenções no sistema educacional da pastora Damares “Eu vi Jesus na goiabeira” Alves e do semianalfabeto Abraham Weintraub, que no período de um mês cometeu 33 erros de português em sua conta no Twitter.

Em sete anos caiu em 15% o número de empresas que trabalham com cultura no País. Quantas mais não encerrarão suas atividades até o fim desse pesadelo em que nos meteram? 

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Minha ideia inicial para esta coluna era traçar alguns paralelos entre dois aniversariantes (os 51 anos do AI-5, baixado pela ditadura militar em 13 de dezembro de 1968, e os 80 anos do DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, criado por Getúlio Vargas, com total apoio dos militares, em 27 de novembro de 1939), mas, atropelado pelo massacre de Paraisópolis, entre dar uma de Adorno e não ver sentido em escrever sobre qualquer outro tema diante daquele ato de selvageria armada, optei pelos absurdos que mais diretamente têm afetado e podem afetar ainda mais nossa maneira de pensar, fazer e consumir cultura. 

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Quando Hitler implantou o 3.º Reich, Goebbels passou a cuidar pessoalmente da informação e da propaganda do regime nazista - do DIP alemão, enfim. Infinitamente mais ladino e culto que todos os auxiliares de Bolsonaro juntos (bem, isso Lourival Fontes, o mandachuva do DIP, também era), Goebbels planejava entregar a Fritz Lang os destinos da indústria cinematográfica alemã. Outro nível.

Goebbels chegou a conversar com o cineasta, em palácio. Mas Lang, a bordo de uma desculpa esfarrapada, largou a mulher e fugiu para a França e, em seguida, Hollywood. Foi aí que a eminência parda do führer fixou sua atenção em Leni Riefenstahl, cujo superlativo talento ninguém põe em dúvida.

É preciso certa cautela ao compararmos o Brasil de 2019 à Alemanha de 1933-1945. 

Opinião por Sérgio Augusto
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