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Cantor da Terra

Após sucesso de Gabriela, Chico Maranhão voltou para cantar a sua cidade

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio e SÃO LUIS
Atualização:

Lá pelo início dos anos 60, ele frequentava um boteco apelidado de Quitanda, que ficava numa garagem da Rua Maria Antonia e tinha como especialidade certa batida de agrião. Entre uma birita e outra, tocava violão em companhia de um colega da Faculdade de Arquitetura. Os dois se chamavam Francisco, mas ninguém os conhecia pelo nome de batismo. Nosso personagem era apenas Maranhão, obviamente porque de lá vinha, e de São Luís, a capital. O outro era chamado na escola de Carioca, pois havia nascido no Rio, embora o pai fosse paulista; mas este já começava a ser conhecido em toda parte como "o" Chico. Os dois Chicos, o Buarque e o Maranhão, eram inseparáveis. São amicíssimos, até hoje.Se for preciso designá-lo por seu nome civil, vamos dizer que Chico Maranhão se chama Francisco Fuzzetti de Viveiros Filho. Veio a São Paulo para estudar e também porque desejava conhecer de perto a bossa nova. Para tanto, tinha de descer ao Sul. Matriculou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, que então ficava no bairro de Higienópolis, por coincidência, na Rua Maranhão. E, naquela região boêmia e estudantil, demarcada pelas ruas Maria Antonia, Vila Nova e Major Sertório, onde estavam os bares, a agitação política, a Faculdade de Filosofia da USP e o Mackenzie, Maranhão foi se enturmando, tocando e compondo. Entrou para o imaginário do País no mitológico festival de 1967, com um frevo que colocou a plateia para dançar, Gabriela, interpretado pelo conjunto MPB-4. "Foi uma apoteose", ele lembra. E, de fato, as imagens não mentem, como se pode ver nos extras do documentário Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil. O público, que fazia do festival uma espécie de versão musical dos protestos políticos, mergulhava, durante Gabriela, no mais puro carnaval recifense, dançando e abrindo guarda-chuvas no interior do Teatro Record. Nesse festival, Maranhão concorria com seu amigo Chico Buarque, que lá apresentava, com o mesmo MPB-4, a famosa Roda Viva. Mas ambos seriam derrotados por Ponteio, de Edu Lobo e Capinam. Foi uma edição histórica dos festivais que, além dessas músicas, mostrou o talento inovador dos baianos Caetano Veloso, com Alegria, Alegria, e de Gilberto Gil, com Domingo no Parque. Gabriela chegou às finais e acabou ficando com o sexto lugar. Mas ficou também no coração do público, que nunca esqueceu seus versos e ritmo envolventes. Naqueles tempos duros da política, havia também espaço para a pura felicidade da música. E a alegria é mesmo a prova dos noves, como dizia Oswald de Andrade. Tanto é assim que Chico Maranhão, mesmo com o sucesso de Gabriela e a carreira sedimentada por outras músicas e shows, acabou deixando São Paulo depois de alguns anos e tomando o caminho de volta a São Luís. "São Paulo cresceu descontroladamente, eu sentia que a cidade começava a me devorar", diz. A aura daquele tempo havia passado. "Às vezes volto lá, não é a mesma coisa, o Quitanda não existe mais." O Bar do Zé (esquina da Maria Antonia com Vila Nova) continua ainda no mesmo lugar, com seu nome oficial, Bar e Lanches Faculdades. Mas, claro, não é mesmo igual. Gerações e gerações se sucederam e aquele clima dos anos 60, o vento levou. De modo que, recorrências saudosistas à parte, Chico voltou então para São Luís e com um projeto de vida bem definido. "Reencontrei minhas raízes, a terra, as tradições maranhenses", diz. Em 1996, essa imersão radical (no sentido próprio do termo) rendeu frutos com a gravação do CD Ópera Boi - O Sonho de Catirina, gravado no Teatro Arthur Azevedo. Em 1997, sai outro CD, São João, Paixão e Carnaval. E assim os shows, e os CDs vão se sucedendo, um após outro. De modo meio artesanal, sem se preocupar com o sucesso imediato de público. "Faço shows para mil ou para cinco pessoas, não importa", diz Chico.Esse retorno à terra rendeu outros frutos. No caso, uma tese acadêmica, que virou livro. Urbanidade do Sobrado - um Estudo sobre a Arquitetura do Sobrado de São Luis, assinado com o nome completo, do pesquisador e professor universitário, Francisco Fuzzetti de Viveiros Filho, publicado pela Editora Hucitec (São Paulo, 2006). O livro fala com carinho e rigor científico (quem disse que as duas coisas não podem andar juntas?) da sua cidade. O centro histórico, com seu casario, seus azulejos, sua magia. Mesmo na tese acadêmica, o toque do compositor. Enquanto fazia a pesquisa, Chico compunha músicas que exprimiam suas sensações estéticas em relação à arquitetura que estudava. Gravou duas faixas longas - Sobrado e Sobrados e Trapiches - que vêm num CD encartado ao livro. Música e ideias se complementam de maneira harmoniosa, como uma daquelas fachadas magníficas do centro histórico de São Luis, onde, aliás, Chico Maranhão mora. É onde, aliás, ele conversa com o Estado, naquele ambiente nostálgico, que evoca velhas histórias do Brasil Colônia. A cidade de São Luis completa 400 anos em 2012, e Chico entende que se trata de uma boa ocasião para tocar um projeto de sua obra, que tanto fala da terra natal. "Estou planejando uma espécie de songbook, com uma seleção de cem das minhas músicas favoritas", diz. Será, ele acredita, um livro para interligar um percurso de imersão em sua cultura, com o poder de observação do homem e do arquiteto, e a insubstituível sensibilidade do músico.Afinal, como Chico Maranhão sabe desde os anos 60, a música alcança até aquilo que os olhos não veem.

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