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Camaleão Eletro-Psicodélico

O canadense Dan Snaith, cérebro do Caribou, que vem ao Brasil, fala sobre seu pop mutante

Por Roberto Nascimento
Atualização:

As constantes renovações estilísticas do compositor e produtor canadense Daniel Snaith vão além das guinadas e corretivos de carreiras que não deram certo. Sob os nomes artísticos de Manitoba e Caribou, Snaith lançou, na última década, uma série de discos que exploram obcecadamente os territórios lisérgicos da psicodelia, passam pelo minimalismo suave da IDM, pelos refrões do sunshine pop e desembocam nas construções soturnas do dub step e do minimal techno contemporâneo, condensando e decupando, em seu devidamente incensado disco Swim, de 2010, todas as alucinações anteriores para transformá-las em hits de pista. "Eu queria que o novo disco soasse o mais próximo da minha identidade o quanto fosse possível. Queria criar com os tons da minha própria paleta em vez de ouvir as pessoas dizerem "eu sei de onde isso vem. Isso é dos anos 60. Você recria a música daquela época muito bem"", contou o músico ao Estado, em conversa por telefone, enquanto viajava em um trailer com sua banda pelo Norte dos Estados Unidos. Snaith virá ao Brasil com o Caribou na semana que vem para um show no festival Fourfest que terá abertura de seu talentoso companheiro de turnê, o produtor Gold Panda. Embora corra o risco de ser ignorada em meio ao dilúvio de nomes internacionais que inunda o País (muitos de valor questionável, como foi visto nos shows de Bajofondo, Air e Jamiroquai no fim de semana) a dobradinha trará ventos inovadores do pop e eletrônico mundial em apresentações que prometem: o recente disco do Caribou, Vibration Ensemble, conta com participações de Marshall Allen (do lendário grupo de free jazz de Sun Ra), Kiernan Hebden (do Four Tet) e mostra que, ao vivo, a banda se desprende das previsíveis reconstruções de trabalhos de estúdio para agregar improvisações livres e instigantes que transformam o pop artesanal de Snaith em bicho voraz. Mesmo assim, é na calmaria dos subúrbios londrinos que o produtor faz, sozinho, seus discos. "Trabalho à noite, pensando em produzir faixas para tocar ao vivo durante a semana. O processo é demorado. Jogo fora entre 600 e 700 rascunhos para cada disco", conta. "Muitas vezes passo a madrugada empolgadíssimo, mexendo em uma canção que tenho certeza que ficará ótima. Aí acordo e percebo que é um lixo. Às vezes dá para ver que é lixo desde o começo." As batidas de Swim mostram a conclusão de um ciclo que começou na adolescência do produtor, quando roubou uma precária maquininha de gravar samples da sala de música do seu colegial. "Nas melhores condições, o sampler só gravava um segundo de música (risos). O que é completamente ridículo", conta. "Mas eu fiquei interessado pelas possibilidades. Eu estava aprendendo a improvisar ao piano e um amigo meu me apresentou Plastic Man, Orb e Chemical Brothers. O som era completamente diferente do que eu estava acostumado a ouvir, mas o que me fascinou mesmo foi que esses discos eram produzidos de maneira muito barata. Alguns eram feitos com equipamentos antigos encontrados em brechós, sebos, ferros velhos. Assim, eu passei logo pela fase do "como gravar um disco". Peguei um sintetizador, o sampler roubado, o computador do meu pai e comecei a produzir."No início da década, Snaith lançou o disco Start Breaking My Heart sob o nome artístico Manitoba (que mais tarde teria de trocar para Caribou por conflitos de direitos autorais). O trabalho explora a estética IDM (intelligent dance music) baseada nos sons criados por produtores como Aphex Twin e Autechre, que inspiraram Snaith a produzir características variações cíclicas que evoluem gradualmente. Mas Snaith começou a mostrar suas marcas indefiníveis no disco seguinte, Up in Flames. Elogiado pelo site Pitchforck como uma das guinadas de carreira mais corajosas dos últimos tempos, Up in Flames foi fruto de pesquisa exaustiva do pop psicodélico dos anos 60, que levou Snaith a abandonar o pontilhismo eletrônico em troca de violões de aço e vocais, agregando texturas alucinógenas às suas batidas. Em paralelo às produções musicais, Snaith mudou-se para Londres em busca de um P.H.D em matemática no Imperial College. "A música era um hobby. Queria ser professor de matemática e compor depois do expediente, mas os discos estavam sendo lançados e uma coisa deu na outra", conta. Distância. Ao terminar o curso, o músico gravou Andorra e se aprofundou na psicodelia de Up in Flames, se distanciando ainda mais das origens eletrônicas para recriar o sunshine pop dos Beach Boys e Mamas and the Papas, sons calcados na escola de melodias "ensolaradas" e encharcadas de reverb que surgiu com as produções de Phil Spector e Brian Wilson nos anos 60.Quando parecia que o Caribou entraria para a onda de bandas que fazem releituras, Snaith abandonou o verniz retrô e retomou o pulsar de loops eletrônicos para fazer música de pista com uma intenção profunda que lembra noturnos de Chopin. "Em Swim, eu resolvi fazer música para ser tocada em uma boate. Fui muito influenciado por grandes produtores como Theo Parrish e James Holden e queria fazer as pessoas dançarem." Além da inconfundível voz de Snaith, a inteligência de suas composições e a elegância dos arranjos, é impossível notar qualquer elemento que teça uma narrativa estilística entre os quatro discos. Snaith trabalha nos limites dos gêneros, produzindo música que tem sua impressão digital mas está em fluxo constante. Sua carreira lembra a do genial compositor e produtor Arthur Russell, de quem é fã. "A voz dele é tão distinta, é amadora, mas extremamente cativante. Além disso, fiquei apaixonado pelo fato de que ele transitava por tantos gêneros. Ele fazia pop, música de vanguarda do século 20, dance music, folk music e se você procurar ainda acha mais", conta. FOURFEST Clash Club. Rua Barra Funda, 969, telefone 3661-1500. Dia 27/10, às 21h30. R$ 90 a R$ 120 - www.ingressorapido.com.br

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