Calder e a sedução do movimento de seus móbiles

Na Pinacoteca, mostra e livro lembram as relações do pai dos móbiles com o Brasil, onde esteve por três vezes

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Por Agencia Estado
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A primeira grande mostra de Alexander Calder (1898-1976), sua retrospectiva no Museu de Arte Moderna de Nova York, entre outubro de 1943 e janeiro de 1944, foi uma revelação para o crítico brasileiro Mário Pedrosa. Ele chegou a afirmar que as obras do escultor americano obrigavam uma "verdadeira reeducação da sensibilidade". Mais ainda, como afirma a filósofa Otília Beatriz Fiori Arantes no livro "Mário Pedrosa: Itinerário Crítico", o brasileiro interpretou naquele momento, naquela experiência, "as possibilidades de transformação do mundo pela arte abstrata". Calder tirou da escultura o seu caráter estático ao criar seus inventivos móbiles, peças escultóricas em metal e arame que ficam em movimento silencioso, natural, leve. Pedrosa relacionou Calder, Jesús Soto e Lygia Clark como os maiores inventores modernos. Tanto foi o encantamento por Calder que, dali para frente, acompanhou o artista americano tanto criticamente quanto como amigo. E Calder também se interessou pelo Brasil, vindo para cá por três vezes: em 1948, 1959 e 1960. Amizade com Pedrosa e Mindlin Além da amizade com Pedrosa, outro amigo brasileiro importante foi o arquiteto Henrique Mindlin, que conheceu o artista em 1944, nos EUA. Essas duas amizades foram cabais, como diz Roberta Saraiva, para a concepção da mostra Calder no Brasil que será inaugurada amanhã (26) na Pinacoteca do Estado, em São Paulo. A exposição, com curadoria de Roberta, reúne 50 obras do americano além de documentários e trata da relação do artista com o nosso País: suas idas e vindas, suas obras presentes em solo brasileiro, suas amizades, inspirações (entre elas, o samba e a figura da figa), suas mostras e até a rápida relação com a construção de Brasília (Niemeyer chegou a pedir ao escultor que criasse uma obra para a Praça dos Três Poderes, projeto que não se concretizou). Durante quatro anos, Roberta veio pesquisando essa história. O resultado do trabalho, além da mostra, é o livro Calder no Brasil, que também será lançado amanhã durante a abertura da exposição. Estreita ligação com o Brasil Na 2ª Bienal de São Paulo, em 1953, em São Paulo, o artista paulista Waldemar Cordeiro chegou a ser ameaçado de prisão porque queria "mexer" numa das obras que figuravam na sala especial de Calder naquela exposição. "O próprio artista gostava muito que mexessem em suas peças, elas foram feitas para se movimentar, para serem manipuladas como os ´Bichos´ de Lygia Clark", diz a historiadora e curadora Roberta Saraiva, depois de contar essa história. Na mostra que agora ocupa as sete salas principais da Pinacoteca, muitos visitantes terão de controlar o impulso de tocar nos móbiles de Calder para vê-los se movimentar. Na última sala do museu, o maior dos móbiles expostos, a Viúva-Negra, está parada e calma no ar: dependurada no teto, sobre uma estrutura de vidro que a reflete como um espelho d?água, a parede amarela em seu fundo também exibe os desenhos que a sombra da peça produzem - e é puro encantamento. A primeira vez que Alexander Calder esteve no Brasil foi em 1948, justamente por conta de sua exposição no Ministério da Educação no Rio, a convite de Henrique Mindlin, a mostra que depois seguiu para o Masp. A Viúva-Negra, que fazia parte de sua exposição, depois foi doada pelo artista para o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) em São Paulo, "muito provavelmente por intermédio do arquiteto Rino Levi", diz Roberta. Calder, ou Sandy, para os íntimos Nessa primeira vinda ao País, Calder ou Sandy, como era chamado pelas pessoas mais próximas, fez um grande grupo de amigos brasileiros. "Mindlin e Pedrosa o colocaram na elite cultural do Rio e de São Paulo", diz a pesquisadora e Calder aproveitou para conhecer a cultura brasileira (em especial, gostou do samba e do candomblé). Em 1948 ele se instalou em uma oficina no Rio, onde produziu por um mês. Na exposição há uma vitrine com peças que o artista apelidou de Samba Rattle, realizadas em 1950, já nos EUA - são esculturas que representam instrumentos de samba, feitos com materiais banais como uma lata de mostarda. A mostra, feita a partir de obras emprestadas do IAB, do MAC-USP, do Masp, e, majoritariamente, por peças de coleções particulares, apresenta os móbiles (as esculturas dinâmicas), os stábiles (as gigantescas esculturas para exibição ao ar livre), além de desenhos, guaches, pinturas e registros - vale também prestar atenção nas cuidadosas legendas. Revelam-se tantas outras amizades, como a com Burle Marx, Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi, sua ligação com a arquitetura moderna brasileira e, sempre também, o aspecto "jocoso e de alegria" de suas obras e relações. "É uma pesquisa historiográfica, não entra em sua relação com a produção artística brasileira", diz Roberta. Segundo ela, agora se abrem as portas para novos estudos. Calder no Brasil. Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, (11) 3229-9844, metrô Luz. 3.ª a dom., 10 h às 18 h. R$ 4 (sáb. grátis). Até 15/10. Abertura amanhã, às 11 horas

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