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Calçadas

Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

O inglês tem um verbo curioso, "to loiter", que quer dizer, mais ou menos, andar a esmo, ficar à toa, vagabundear, zanzar (grande palavra), ou simplesmente não transitar. E nos Estados Unidos (não sei se na Inglaterra também), "loitering" é uma contravenção. Você pode ser preso por "loitering", ou por estar parado em vez de transitando, numa calçada.O que constitui "loitering" e, portanto, crime e o que é apenas inocente ausência de movimento ou direção depende da interpretação do guarda. Ou da mesma sutil percepção que define o que é e o que não é "atitude suspeita".É difícil imaginar outra coisa que divida mais nitidamente o mundo anglo-saxão do mundo latino do que o "loitering", que não tem nem tradução exata em língua românica, que eu saiba. Se "loitering" fosse contravenção na Itália, onde ficar parado na rua para conversar ou apenas para ver os outros transitarem é uma tradição tão antiga quanto a sesta, metade da população viveria na cadeia. Na Espanha, toda a população viveria na cadeia.Talvez a diferença entre os Estados Unidos e a Europa e a América Latina, e a vantagem econômica dos americanos sobre os povos que zanzam, se explique pelos conceitos diferentes de calçada: um lugar utilitário por onde se ir e vir ou um lugar para se estar, de preferência com outros. Os franceses, apesar de latinos, não usam tanto a calçada como sala, mas lá os cafés costumam invadir as calçadas, e temos o "loitering" sentado. Não tenho nada contra shopping centers. Acho mesmo que são o lado positivo da americanização do mundo. Mas as grandes cidades brasileiras que perderam seus centros com a proliferação dos xopis perderam também o prazer da calçada como ponto de encontro e de papo ocioso. Sem falar na falta de segurança que nos transformou em bichos assustados, que hesitam em sair da toca. O resultado é que, nas nossas calçadas, não somos mais latinos folgados nem americanos apressados. Somos no máximo transeuntes (horrível palavra).

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