A cada noite, de três a quatro mil pessoas dormem nas ruas de Nova York e 58 mil dormem em abrigos, entre eles 23 mil crianças. O segundo grupo é dos que compram imóveis em dinheiro vivo, em transações de milhões e dezenas de milhões de dólares, na cidade que é um dos mais aquecidos mercados de residências do mundo. São oligarcas russos, novos bilionários chineses, cleptocratas do Oriente Médio e até socialistas morenos, da variedade que hoje frequenta manchetes latino-americanas.
Na semana passada, soprou um vento gelado sobre Manhattan e, ao contrário das frentes frias que descem do Canadá, o vento veio de Washington. O Departamento do Tesouro decidiu que vai levantar a cortina de segredo que tem protegido os compradores de imóveis de luxo, para impedir que a ilha se transforme numa lavanderia imobiliária como Londres.
O município de Miami Dade, na Flórida, é o outro mercado que está na mira dos agentes federais, num projeto piloto que vai durar seis meses e pode ser expandido.
Aqui, um crédito para o New York Times. O faro do Tesouro norte-americano foi aguçado por uma série de reportagens focalizada nas empresas laranjas usadas por estrangeiros para estacionar seus megapixulecos numa economia estável. O Tesouro vai colocar todos os nomes de compradores num website ao alcanço do braço da lei. Quem comprou um imóvel por mais de US$ 3 milhões em Nova York ou por mais de US$ 1 milhão em Miami não poderá mais se esconder atrás de laranjas. Já o vento que sopra aqui nas calçadas, encanado pela geometria do traçado das ruas, não é suficiente para convencer os homeless que estão no sereno a aceitar um teto. Mesmo se as temperaturas caem abaixo de zero, quando policiais e assistentes sociais oferecem abrigo a quem estiver na rua, muitos preferem o risco da hipotermia aos dickensianos abrigos municipais.
O governador do Estado de Nova York, Mario Cuomo, decidiu levar seu constante atrito pessoal com o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, para o território da compaixão politicamente expediente. Anunciou planos para retirar à força a população de rua quando o termômetro despenca, conseguindo, assim, atrair atenção para o fato incômodo de que o problema dos homeless se agravou sob o prefeito mais à esquerda do espectro político local nas últimas três décadas.
A mídia nova-iorquina foi entrevistar os homeless e colheu depoimentos que ilustram bem a complexidade do problema longe dos bem aquecidos gabinetes oficiais. Os moradores de rua pintam um quadro de violência, drogas e furtos dos poucos pertences que carregam para os abrigos. Mulheres relatam estupros. E, como parte da população de longo prazo na rua sofre de dependência química, o abrigo, onde não é permitido consumir álcool ou drogas, parece menos acolhedor.
O preço médio de um apartamento para compra em Nova York já bateu US$ 1.15 milhão em 2015. O preço médio do aluguel de um de quarto e sala está em US $ 3.044 e a renda média do domicílio nova-iorquino é de US$ 52.000.
O prefeito De Blasio está tentando deter a inexorável expulsão da classe média daqui para longe de seus locais de trabalho por meio de incentivos fiscais à manutenção e construção de unidades para famílias com recursos limitados. Mas De Blasio acaba de sofrer uma derrota nas mãos do sindicato de operários da construção civil, que não chega a um acordo sobre salários para trabalhar nestas unidades.
Um veterano ativista em defesa dos homeless, Arnold Cohen, diz que, sem uma política de habitação, tirar pessoas da rua à força é tapar o sol com a peneira. Já a agressividade do governo federal pode levar arredios investidores no obsceno mercado imobiliário de luxo em Nova York a ver o sol nascer quadrado.