Cadiot sabe como provocar e prender o leitor

Mais que um romance, um enigma. Isso é que o escritor, dramaturgo e compositor francês Olivier Cadiot, 45 anos, propõe aos leitores de seu O Convidado Desconhecido, lançado pela editora Estação Liberdade

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Por Agencia Estado
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Mais que um romance, um enigma. Isso é que o escritor, dramaturgo e compositor francês Olivier Cadiot, 45 anos, propõe aos leitores de seu O Convidado Desconhecido, lançado pela editora Estação Liberdade. A escrita de Cadiot, neste caso, busca inspiração nas fórmulas do nouveau roman dos anos 50, polidas por autores do porte de Alain Robe-Grillet e Nathalie Sarraute. Essa arte, que fez a delícia dos primeiros semióticos e estruturalistas, desaguou na pós-modernidade do romance, de que O Convidado Desconhecido é um sucinto e bem-elaborado representante. Buracos - A discussão sobre os andaimes da narrativa e seus limites, tão ao gosto dos pós-modernos, está no centro da criação de Cadiot (ele dirige, com Pierre Alferi, a Revue de Littérature Générale) que elabora orações como "Há buracos nas palavras, assim e assim, e não sei o que fazer. O que há num?" O Convidado Desconhecido ("Le Colonel des Zouaves", no original) aproxima-se ainda do delírio verbal forjado por James Joyce no último capítulo de Ulisses (o monólogo de Molly Bloom antes de adormecer) e das vozes desprovidas de corpo que Samuel Beckett transformou em narradoras de textos como O Inominável e Malone Morre. O Convidado Desconhecido arma-se ao redor da fala demente de um mordomo anônimo, empregado numa casa da alta burguesia francesa. O homem é obcecado pela boa execução de sua tarefa. Controla com rigor a criadagem, exige serviços impecáveis. Sem medo de ultrapassar limites, passa a observar os hábitos, horários e a intimidade das pessoas a quem deve servir. Equipa o porão da casa com instrumentos de espionagem que lhe permitem registrar as idas e vindas, as conversas, o cotidiano de seu patrão e dos convidados dele. A estrutura de O Convidado Desconhecido é ágil. O autor mistura personagens sem nome com outros designados apenas pela inicial ou dotados de prenome. Os capítulos são curtos. Não há indicação de quem fala por meio de travessões, apenas uma distinção entre os tipos empregados. Em itálico estão as frases ditas ao protagonista ou entreouvidas por ele. O restante do texto é formado pelas falas e as idéias do mordomo. A gênese de O Convidado Desconhecido é curiosa. Convocado pelo diretor teatral Ludovic Lagarde a escrever uma peça, Olivier Cadiot produziu um romance. A partir dessa narrativa em prosa é que surgiu a obra dramática, interpretada no ano passado, em Paris, por Laurent Poitrenaux. Por conta das elipses, da subjetividade narrativa, O Convidado Desconhecido não é um livro que facilita a trajetória do leitor. Cadiot exige espírito alerta e atenção de quem percorre suas páginas. O resultado do esforço é compensador. O Convidado Desconhecido traça um perfil irônico e cético de uma sociedade enferma. Não há possibilidade de se escapar das malhas da narração pilotada com destreza por Cadiot. O estilo taquigráfico do escritor enreda o leitor nos meandros da imaginação pervertida do protagonista. O resultado é amargo, cruel, ágil e muito engraçado. O livro aguça o espírito crítico do público provocando-o com perspicácia.

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