Brasília à milanesa

Exposição sobre a capital na Triennale di Milano, na Itália, coloca o País no centro do mundo do design

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Por Redação
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O Brasil, neste ano, entra pela porta da frente no mundo do design em Milão, na Itália. A exposição Brasilia, Un"Utopia Realizzata (Brasília, uma utopia realizada, em italiano) foi inaugurada a poucos metros e um mês após a abertura da mostra dos irmãos Campana (Antibodies - Fernando e Humberto Campana 1989-2010) no museu Triennale de Milano. Mais eficiente que as espalhadas aparições de brasileiros nos eventos de abril, mês do Salão do Móvel em Milão, ocupar um andar - quase - inteiro da Triennale significa estar no foco da elite que cria discussões internacionais sobre design e arquitetura.

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A construção de Brasília encaixa-se num tema de peso nas universidades italianas de arquitetura e, consequentemente, entrou na agenda de curadoria da Triennale. Ela representa, como diz o título, a consolidação de uma utopia de projeto.

O Brasil teve espaço físico e histórico para um feito inédito que os europeus, em suas terras, não realizaram: uma capital inteira pensada e projetada com olhos modernos. Partindo do "zero" de uma imensidão natural. Brasília é a "feliz" consequência - sob ponto de vista projetual racionalista - de ter à disposição um território fisicamente vasto e historicamente jovem.

A abertura da mostra reuniu, além de ilustres brasileiros, como Maria Elisa Costa, filha de Lúcio Costa, e Maria Estela Kubitschek Lopes, filha de Juscelino Kubitschek, a presença maciça de estudantes de arquitetura italianos. Em meio a pronunciamentos do embaixador do Brasil e cônsul em Milão, Luiz Henrique Pereira da Fonseca, de pesquisadores da USP convidados (um deles falou em português com a plateia) e do presidente da Triennale, Davide Rampello, os jovens se perguntavam: "Mas como será que as pessoas vivem ali hoje?"

A mostra, que tem, principalmente, painéis gráficos que criam uma cronologia da construção da cidade com fotografias, recortes de jornais e revistas da época, tenta responder a perguntas sobre atualidade no espaço chamado Brasilia Oggi (Brasília Hoje). São exibidos em vídeo trechos do documentário Rap, O Canto da Ceilândia, de Adirley Queirós (Universidade de Brasília, 2005) numa montagem chamada Voci Contro (Vozes Contra). O vídeo estimula uma rápida discussão do que são e como vivem as vozes ativas das cidades-satélite. "Sou ceilandense", responde um rapper de Ceilândia, quando questionado se era de Brasília.

Todo o material foi recolhido no Brasil pelos curadores da mostra que fazem parte do Diap (Departamento de Arquitetura e Planificação) da universidade Politecnico di Milano. Forneceram documentos, imagens e outros materiais à Itália o Arquivo Público do Distrito Federal, Casa de Lúcio Costa, Memorial JK, Fundação Oscar Niemeyer, coleção Burle Marx & Cia., etc.

Mais do que a atualidade de Brasília, o encontro teve como discussão central o momento de sua fundação. Foi a partir dos anos 60 que o tema do urbanismo e suas consequências sociais ganhou atenção na Triennale de Milano. Naquela mesma década, em 1964, o arquiteto Lúcio Costa foi convidado pelo museu para criar uma instalação na mostra coletiva Tempo Livre.

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Ainda hoje, quando se discute o Brasil, em Milão, o pavilhão de Costa na Triennale é relembrado, como referência do imaginário italiano em relação ao Brasil. Riposatevi foi o título da instalação ("Repousem", em italiano). Várias redes foram espalhadas num cenário com fotografias que representavam imagens modernistas.

"Lúcio Costa nos mostrou um país que sabe repousar e trabalhar. Criou uma capital em menos de cinco anos", disse à plateia, no vernissage, o presidente da Triennale, Davide Rampello. Se a interpretação procede, ou não, a imagem do Brasil hoje na Milão dos arquitetos e designers é de uma nação cosmopolita, promissora e, inevitavelmente com "alma indígena", como diz Rampello ao Estado, em entrevista exclusiva, em Milão:

Na sua opinião por que é importante para o Brasil ter duas exposições num mesmo andar da Triennale de Milano?

A Itália é um país que é ouvido no mundo do design pelo modo como projeta e produz, tendo em vista o material, a organização de ideias, o conceito. E isso se pode ver na construção de Brasília e nas obras dos irmãos Campana.

A ideia de uma mostra sobre Brasília neste ano é apenas por motivos históricos?

Fui a Brasília pela primeira vez em 2009 e já pensei em organizar uma mostra. Voltei novamente em 2010 e achamos o momento ideal para fazer uma homenagem. Colocamos ao lado da exposição com os irmãos Campana (em outubro foi aberta a mostra "Anticorpi - Antibodies - Fernando e Humberto Campana 1989-2010"). É um país que está mudando, que mostra uma vontade e uma energia admiráveis e assim adquire cada vez mais importância no mundo globalizado.

Visitando as duas mostras é possível sentir que vêm do mesmo lugar?

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É possível perceber o sentimento intuitivo que move esse país. Brasília é um projeto que sai de um sonho que foi realizado com determinação e aventura. Os irmãos Campana (designers brasileiros entre os mais conhecidos atualmente na Itália) trabalham, ao mesmo tempo, com projeto e espontaneidade. E a natureza, nos dois casos, está sempre presente. Projetar tendo em mente a vastidão da natureza, com vontade de mudança e ao mesmo tempo pesquisando materiais inovadores, usando muita intuição. É assim que eu vejo hoje a intuição brasileira.

Estamos falando de raízes, mas o passado brasileiro como civilização ocidentalizada é muito recente. Historicamente o passado italiano tem outra dimensão. O que pensa dessa diferença?

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Eu acredito que o Brasil, a essa altura, já adquiriu o seu passado. O passado é feito de memória e a memória tem sido construída. A memória nasce não apenas de fatos confirmados e lembrança radicada, a memória nasce da educação e do sentimento. O Brasil tem alma indígena e ao mesmo tempo tem sangue italiano, português, espanhol, entre outros. Isso tudo cria uma identidade própria que se faz reconhecer.

Na sua opinião, por que é importante olhar o passado?

É importante, para todos, saber o que já foi feito para ir adiante. E isso os brasileiros sabem fazer. Porque são criaturas criativas. Os irmãos Campana são um bom exemplo disso. São descendentes de italianos, mas amam o Brasil e o representam. A alma deles não deixa isso de fora.

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