Brasileiros descobrem obra do dramaturgo romeno Matéi Visniec

Duas peças do autor estão no Festival de Curitiba e uma terceira estreia esta semana em São Paulo

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Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

De repente, um romeno se torna o autor mais popular do teatro brasileiro. Há um ano, Matéi Visniec era praticamente um desconhecido no País. A recente edição de suas obras em português, porém, parece ter despertado um séquito de interessados em sua dramaturgia. Durante o Festival de Curitiba, a maior vitrine das artes cênicas nacionais, o escritor merece duas montagens: 2 x Matéi, dirigida por Gilberto Gawronski, e Espelho para Cegos, versão de Marcio Meirelles. Em São Paulo, a tônica não é diferente. Estreia nesta sexta, dia 28, na cidade História do Comunismo Contada aos Doentes Mentais, com encenação de Miguel Hernandez e André Abujamra. 

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Saudado pelos críticos europeus como um sucessor de Eugène Ionesco, Visniec constrói fábulas em que a política foge do discurso dogmático para encontrar a comédia e o absurdo. “Em geral, tudo o que escrevo tem um personagem principal: o homem e suas contradições, tanto as de sua natureza interior, como aquelas da sociedade e da história”, comentou o dramaturgo em entrevista ao Estado. “Mas eu gosto de explorar essas contradições humanas com os ‘braços’ do humor, da ironia, do escárnio.” 

Outro traço constante na obra de Visniec é a presença de personagens históricos. Em suas encenações, reencontramos Stalin, Meyerhold, Chekhov. Homens que surgem remodelados pela sua imaginação. Mas que ainda assim evocam um mundo que, de fato, existiu. “Às vezes, a realidade, sua complexidade, ultrapassa a ficção. Stalin, por exemplo, é um personagem que você não pode inventar. Ele é tão complexo, incrível, terrível”, considera o autor. 

Para Gawronski, o procedimento tem uma função. “Na contemporaneidade, a originalidade não está em construir, mas em desconstruir. Essa não é exatamente uma novidade. Mas o que Visniec faz é resgatar essas figuras que ainda precisamos entender”, comenta. Além de assumir a encenação de 2x Matéi, ele também contracena com Guida Vianna na montagem que se apoia nos textos O Último Godot e O Rei, o Rato e o Bufão do Rei. Na parte inicial do espetáculo, o público presencia o improvável acerto de contas entre Samuel Beckett e sua mais conhecida criação. Apesar da fama, Godot é o personagem que nunca aparece na obra do escritor irlandês e, nessa releitura, ele acha que já é hora de acabar com isso. A segunda história trata de um rei e seu bobo da corte, ambos feitos prisioneiros após uma revolta popular. O contexto lembra a Revolução Francesa. Fala-se na filosofia iluminista de Diderot e na ameaça representada pela guilhotina. Mas as menções históricas não impedem aproximações com a situação política atual. “Ele está falando de uma crise que é de todos. De uma falência geral”, observa Gawronski. 

Censurado pelo regime comunista de Nicolae Ceausescu, que vigorou na Romênia por mais de 40 anos, Visniec pediu asilo político e vive em Paris desde 1987. Suas obras carregam, portanto, um olhar crítico em relação às formas autoritárias de poder. Mas não deixam de problematizar as contradições das democracias ocidentais. “É fácil denunciar o mal em um país totalitário. Nesses lugares, o mal é visível. Mas na França, como em outras democracias, identificar a maldade exige mais reflexão. O artista deve tentar reconhecer essas formas mais sutis de dominação”, pondera o escritor. 

Inspirado pelo título Teatro Decomposto ou O Homem-Lixo, o Teatro Vila Velha, de Salvador, concebeu Espelho para Cegos. Na peça, entram em debate questões como a dissolução das relações humanas e a solidão. “Visniec traz tudo o que eu gostaria de falar e não sabia como dizer”, diz o diretor Marcio Meirelles. 

Com a História do Comunismo Contada aos Doentes Mentais esse passado do dramaturgo também volta à tona. Mas sem o viés do ressentimento. “Ele está falando do ideal comunista em sua pureza. E nós hoje carecemos de utopias”, considera o diretor Miguel Hernandez. 

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Atravessada por metáforas, a trama reconstitui o ano de 1953, meses antes da morte de Stalin. E se movimenta a partir de um mote cômico: um escritor é convocado a escrever um manual que explique o ideário socialista para os loucos. “Olharmos hoje para tudo isso, quando já sabemos o que aconteceu com a União Soviética, causa um imenso estranhamento.”

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