Brasil não preserva talentos do balé

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Por Agencia Estado
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O ano começa com agenda cheia para a dança. As produtoras abrem o leque para vários estilos e, como no ano passado, oferecem espaço para a dança clássica. "Há um público cativo para o balé", justificam Steffen Daulsberg, da produtora Dell´Arte, e Dalal Achcar, diretora do Municipal do Rio. Estão na agenda brasileira deste ano o Balé da Ópera de Paris e Wladimir Vasiliev, diretor do Balé Bolshoi, que vem ao País para coreografar Romeu e Julieta. O talento dos artistas brasileiros é cada vez mais reconhecido no exterior. Em junho, os bailarinos Thiago Pinto Soares e Roberta Marquez foram premiados no Concurso Internacional de Dança de Moscou. Fernanda Oliveira ganhou destaque no English National Ballet e Carla Körbes foi considerada uma "nova rainha" pela crítica do jornal New York Times ao interpretar a personagem Titânia na coreografia Sonhos de Uma Noite de Verão, de George Balanchine, no New York City Ballet. Além do sucesso, essa situação mostra os dois lados de uma mesma moeda e incita uma discussão em torno das condições do balé em nosso País. Para muitos artistas, a única saída é o aeroporto. "Viver com a dança no Brasil é complicado, porque não temos retorno financeiro e não há garantias", diz Thiago Soares, que sonha em dançar no American Ballet Theatre. Soares e Roberta enfrentaram 20 dias de competições, com uma centena de candidatos de todo o mundo. "Só fomos até lá porque tivemos o apoio do Teatro Municipal do Rio. Não tivemos patrocínio e vencer um concurso russo na Rússia foi uma grande surpresa", conta. O Rio mantém o Ballet do Municipal com um corpo estável e bailarinos de apurada técnica que fazem apresentações periódicas e intercâmbio com coreógrafos, como a russa Natalia Makarova que esteve em setembro de 2000 com sua La Bayadre e em agosto de 2001 para encenar o Lago dos Cisnes. "Fiquei impressionada com o salto de qualidade que os bailarinos apresentaram de um ano para o outro", elogia Natalia. Marcelo Gomes concorda com a mestra russa, mas não volta ao Brasil. "Vim para dançar o Quebra-Nozes, no Municipal, o que significa muito para mim. Porém, minha vida está estruturada em Nova York, lá tenho espaço e referências." Carla Körbes afirma que ensaia 12 horas por dia no New York City Ballet e as noites são repletas de apresentações. São raros os dias de folga, muitas turnês, fora a competição dentro do grupo pelos papéis principais. "Mesmo passando por essa pressão, não pretendo voltar, quero investir na minha carreira aqui. Infelizmente no Brasil não há espaço para as pessoas que querem dançar o clássico, não há estrutura, apoio ou investimentos, enfim, há pouco valor para esse estilo." E aconselha: "Quem quer seguir os passos do clássico deve estudar e tentar um espaço no exterior." Para o diretor do corpo de baile do Municipal, Gustavo Molajolli, "o Ballet do Municipal do Rio é a única companhia de balé do Brasil. Há uma série de escolas e academias, mas falta profissionalismo", afirma. "Como não há onde dançar, os artistas que fazem dança acadêmica - o clássico - são obrigados a migrar para a Europa ou Estados Unidos ou simplesmente abandonam o estilo." Fuga - "O Brasil forma excelentes profissionais, com alto nível técnico, no entanto, são bailarinos para exportação, não dá para sobreviver aqui", observa a professora Camilla Puppa, responsável pela formação de Daniela Severian e Denise Almeida, primeiras bailarinas na Alemanha. "As pessoas saem do País simplesmente porque não há nenhum tipo de incentivo aqui. Um bailarino leva pelo menos nove anos de estudo e dedicação para aprender a complicada técnica do balé, precisa ter um biotipo que se adapte à dança clássica e quando passa por essas duras etapas não tem mercado de trabalho", observa Ilara Lopes. Ilara é uma das examinadoras do Royal Ballet e foi obrigada a fechar a sua escola há dois anos e a unir-se a Nice Leite para dar continuidade ao seu trabalho. "Desde que me formei na Escola Municipal de Bailado, a situação está praticamente inalterada. O artista continua marginalizado perante outras profissões, há pouco interesse em preservar e cuidar da arte, não há educação de platéias e, conseqüentemente, não há tradição", declara a coordenadora-geral da escola, Esmeralda Penha Gazal. A Escola Municipal de bailado é uma das principais para a formação de bailarinos clássicos em São Paulo. Outro aspecto importante para explicar a atual situação do balé é o seu custo de produção. Sem incentivos financeiros do governo ou iniciativa privada é difícil montar um balé de repertório. "É muito caro, uma vez que utilizamos figurinos bem elaborados, cenários e orquestra", analisa Ilara. Outra dificuldade é encontrar teatros. "Os brasileiros dançam em qualquer lugar, mesmo que o palco não esteja em condições adequadas, só pelo prazer de dançar", diz Camilla. Fora o Municipal do Rio e o de São Paulo, somente o Centro Cultural São Paulo reserva uma semana para a Mostra de Dança Clássica. "Este é um espaço muito importante, porque podemos mostrar nosso trabalho, sem o estigma da competição presente nos festivais", declara Camilla. "O balé clássico não pode ser visto apenas como um artigo para a elite que pode pagar ingressos caros."

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