"Brancaleone": clássico do humor em DVD

Espectador pode ver em condições perfeitas de som e imagem o filme de 1965, estrelado por Vittorio Gassman e dirigido por Mario Monicelli

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Por Agencia Estado
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Ele foi um dos mestres da comédia italiana. Foi? O tempo passado talvez se aplique mais a outro autor que também se destacou nesse gênero de comédia que se pode definir como "dramática", pois carrega em si mesma os germens do drama, da tragédia mesmo. Dino Risi também foi grande nos anos 1960, quando produziu filmes como Aquele que Sabe Viver e Férias à Italiana. Os anos 1980 assistiram ao seu declínio e nos 90 ele fez, na TV da Itália, obras que pouco ou nada têm a ver com seus lúcidos exercícios de humor. Mario Monicelli ainda é um mestre da comédia. Um filme como Parente É Serpente mostra que o mestre não perdeu nada da sua virulência crítica. É um dos filmes mais demolidores sobre a instituição familiar que já foram feitos. Monicelli é o diretor de O Incrível Exército de Brancaleone. O filme de 1965, com o grande Vittorio Gassman, é o primeiro do diretor a sair em DVD no País. A FlashStar oferece o básico: escolha de cenas e idiomas, trailer. Poderia ter feito muito mais. Um lançamento desses deveria ser enriquecido para virar item de colecionador: biografias, entrevistas, documentários. Tudo isso se poderia esperar do DVD de Brancaleone se fosse lançado, por exemplo, pela Versátil. Por menos extras que ofereça, o disco digital se constitui num belo programa. Falta o entorno, mas o filme, em si, continua ótimo. Você vai poder (re)ver Brancaleone em condições perfeitas de som e imagem. Não representa pouco. "Branca, Branca, Branca, Leon, Leon, Leon" - é o grito de guerra dos quatro amigos que vão tomar posse do reino de Aurocastro, sob a liderança de Brancaleone, o personagem interpretado por Gassman. É um Quixote maltrapilho, valente e desastrado. Durante a viagem do quarteto ocorrem imprevistos, surpresas e encontros burlescos que transformam a Armata Brancaleone no mote para uma crônica tão desmistificadora quanto divertida da Idade Média. O mais curioso é que foi um projeto difícil de concretizar. Monicelli conta em seu livro autobiográfico L´Arte della Commedia que o filme nasceu de duas vertentes: uma sinopse de três páginas que Scarpelli escreveu sobre dois camponeses medievais que têm uma conversa meio desbocada sobre mulheres e um projeto malsucedido dos anos 1950, mas que lhe agradava muito: Donne e Soldati, de Luigi Malerba. Juntando as duas tendências, Monicelli e sua equipe de roteiristas - Scarpelli e seu fiel escudeiro Age, a viscontiana Suso Cecchi D´Amico - desenvolveram a idéia de uma aventura medieval que fosse o contrário daquilo que a história, gloriosamente, consagra. Nada de heróis, de damas, de cortes luxuosas e duelos de liça encenados como balés ou batalhas. O que Monicelli e seus amigos quiseram colocar na tela foi a antiepopéia: pobres, ignorantes, ferocidade, miséria, fome, chuva e frio. Desconfiança - Nenhum produtor contatado levava fé no projeto, apesar do comprometimento prévio de um astro do porte de Gassman - com quem Monicelli fez Os Eternos Desconhecidos nos anos 1950, e que já havia estrelado o risiano Aquele que Sabe Viver. O próprio visual já estava garantido, com a adesão do cenógrafo Piero Gherardi, dos filmes de Federico Fellini. A desconfiança era tanta que Mario Cecchi Gori, ao assumir a produção, exigiu que Moniccelli trabalhasse pelo mínimo, tornando-se co-produtor. Riu melhor quem riu por último: Monicelli disse que ganhou rios de dinheiro depois que o filme estourou em todo o mundo. À luz do desenvolvimento posterior da carreira do cineasta, pode-se ver em Brancaleone a origem de um filme como Caros F... Amigos, quando Monicelli insistiu na trilha aberta por Meus Caros Amigos, em 1975. Ao fazer aquele filme seguindo fielmente o roteiro escrito por Pietro Germi, ele queria homenagear o amigo - e diretor de Divórcio à Italiana - que morrera às vésperas de iniciar a produção. O sucesso foi tão grande que Monicelli fez a seqüência - Quinteto Irreverente, em 1982 - e depois foi cooptado para dirigir Meus Caros F... Amigos, exatamente dez anos mais tarde. A idéia de Brancaleone está inteira neste último filme: um bando de pés-rapados que atravessa um mundo convulsionado, tanto faz que seja a Itália medieval ou a do pós-guerra, tentando sobreviver, mesmo que seja precariamente. Boa parte dos filmes que Monicelli dirigiu trata justamente desse tema - a dificuldade da luta pela sobrevivência - desenvolvida em chave cômica, mas às vezes ele inverteu a situação e fez dramas pungentes com ocasionais toques de humor. A obra-prima desta segunda tendência é Os Companheiros, um daqueles filmes que sumiram na noite dos tempos e nunca mais foram reprisados, embora tenha feito sensação no começo dos anos 1960 por sua temática política. Marcello Mastroianni faz um professor que viaja pela Itália organizando a classe operária e promovendo greves no alvorecer do socialismo. Você pode imaginar que um filme desses fazia o maior sucesso no circuito cineclubístico e universitário, nos primeiros anos da ditadura militar (antes do endurecimento do regime, com a decretação do AI-5). Brancaleone continua irresistível, um belo filme que toca a genialidade nas cenas da corte bizantina, quando Branca e os amigos defrontam-se com aristocratas pervertidos, que praticam jogos sadomasoquistas e entra em cena a musa dark Barbara Steele, dos filmes de Mario Bava (A Maldição do Demônio) e Federico Fellini (Oito e Meio). Serviço - O Incrível Exército de Brancaleone (L´Armata Brancaleone). Itália, 1965. Direção de Mario Monicelli. DVD da FlashStar. Nas lojas, R$ 40.

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