'Bossa na Oca' traz diálogo entre era hi-tech e o passado

Com curadoria do artista Marcello Dantas e do videomaker Carlos Nader, mostra é interativa e quase toda virtual

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Por Lauro Lisboa Garcia
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A cinqüentona bossa nova toma um banho de luz para virar protagonista de uma espécie de parque temático no Ibirapuera a partir desta semana: são duas grandes exposições que vão ocupar a Oca e o Pavilhão da Bienal. Nesta terça-feira, 8, abre para o público Bossa na Oca, projeto hi-tech, que integra o evento Itaúbrasil. Na próxima segunda, a Rádio Eldorado comemora seu cinqüentenário com a mostra Bossa 50 (veja abaixo).   Veja também: Especial: Bossa nova, 50 anos    Com curadoria do artista multimídia Marcello Dantas e do videomaker Carlos Nader, Bossa na Oca - que vai ficar dois meses em cartaz e tem entrada franca às terças - é interativa e quase toda virtual. Utilizando alta tecnologia em todos os aspectos, a mostra reúne documentários inéditos, imagens históricas, projeções holográficas, iluminação e montagem modernas, dialogando com a estética da bossa nova e com a do espaço da Oca (tem até uma praia artificial). Tudo isso, claro, banhado o tempo todo por muita música prazerosa, que é, afinal, a matéria-prima de todo o projeto.   Os documentários em curta-metragem prometem abordagens inusitadas sobre o tema e serão exibidos em dez painéis de placas de vidro. Um desses filmes traz Tom e Vinicius contando como fizeram Orfeu da Conceição. Outro tem Nara Leão e João do Vale em imagens raras do show Opinião.   Além de imagens em movimento, há também fotos raras e 94 gravações dos clássicos da bossa nova, que o público pode ouvir em jukeboxes estilizados em forma de LP. São espécies de Ipods em que se escolhe o que ouvir com simples toques manuais nas telas, que trarão informações e imagens dos discos relacionados à gravação selecionada. Tanto nas estações interativas dos jukeboxes como no espaço das placas de vidro, o sistema de som é localizado, ou seja, só pode ser ouvido no ponto situado na linha das telas, não "vaza" para fora.   O evento promove até um encontro virtual entre ídolos como Tom Jobim, Frank Sinatra e Ella Fitzgerald, entre outros, tendo Johnny Alf ao piano. Sua imagem projetada sobre o instrumento, este real, tem um efeito interessante. Esse encontro, para o qual foi montado um palco com pufes na platéia, é realizado por meio de uma técnica holográfica (a Eyeliner), que o grupo virtual Gorillaz utiliza em suas apresentações. Segundo Dantas, é a primeira vez que essa tecnologia será vista ao vivo no Brasil.   Além de contar a história e montar um painel cronológico e tudo o mais sobre o tema, a principal preocupação da exposição foi manter a relação com a linguagem inovadora da bossa nova. "Falar com a linguagem de hoje sobre aquilo que foi feito 50 anos atrás sendo fiel a ela, e usar a Oca como uma maneira de diálogo. A Oca é um pouco bossa nova em forma de arquitetura. Essa estética ajudou a reproduzir o próprio clima e o ambiente relacionados à bossa nova. Então a gente não quis esconder o prédio, mas usá-lo como protagonista", diz.   Essas "metáforas visuais" estão na exposição inteira, que tem espaços dedicados a Tom Jobim e Vinicius de Moraes, com banquinhos de piano, estantes de partituras e luminárias individuais equipadas com alto-falantes. Outro ambiente é reservado ao restante da turma, com decoração inspirada no apartamento de Nara Leão, a eterna musa do movimento. Aqui, o som e a luz saem de grandes garrafas feitas de papel, que remetem ao espírito boêmio do famoso beco em Copacabana, palco de shows históricos da bossa nova.   Tudo que se pode ver na Oca está relacionado à modernidade - da música, da tecnologia, da arquitetura de Oscar Niemeyer, da moda, da decoração, da política, etc. A viagem no tempo começa do lado de fora do espaço da exposição. Nas colunas que compõem o corredor que dá acesso à entrada, formado por cordas de nylon esticadas como nos braços dos violões, foram instalados alto-falantes de onde se pode ouvir gravações dos cantores do rádio, anteriores à bossa nova. Entre eles está Orlando Silva, a quem João Gilberto imitava antes de aprender a cantar baixinho e descobrir a misteriosa batida do violão que a tudo modernizou.   Passando a porta, entra-se no universo da bossa nova em si. Logo na entrada, depara-se com um Fusca preto conversível idêntico ao usado por Juscelino Kubitschek (o "presidente bossa nova"), cujo retrato está numa das janelas do edifício. Essas janelas trazem outras imagens de época, dando um panorama do que estava em transformação no Brasil e no mundo naquele momento: a construção de Brasília, ligando Juscelino a Niemeyer e sua arquitetura arrojada, o futebol de Pelé; o estrelato de Brigitte Bardot no cinema, de Frank Sinatra na música, de Cacilda Becker no teatro, de Elvis Presley no rock; a cadela Laika, primeiro ser vivo enviado à Lua, a miss Marta Rocha... Ou seja "personagens que vão ocupando essa paisagem de transformação", segundo Dantas, em sintonia com a bossa nova.   O Fusca, que começou a ser produzido no mesmo 1958 em que João Gilberto lançou o clássico divisor de águas Chega de Saudade, é um dos poucos objetos físicos da exposição. O desenho da montagem se integra em perfeita harmonia com os traços arquitetônicos da Oca, cujo atrativo visual se faz anterior ao conteúdo - que também é grandioso.   Logo atrás do Fusca, há uma enorme bancada luminosa, em forma de S, acompanhando as formas sinuosas do espaço, que exibe uma minuciosa cronologia do movimento, incluindo imagens de shows, capas de discos e outros elementos antológicos. Junto ao S, há uma coleção de obras de arte que, segundo Dantas, "refletem um pouco da estética do período, ou seja, as coisas que também estavam no ar plasticamente", como Bruno Giorgi, Alfredo Ceschiatti, Lygia Pape, Sérgio Camargo.   Três filmes, com curadoria do pianista Benjamin Taubkin, tentam explicar o que foi a invenção da bossa nova, a partir de suas três influências básicas. Ela se construiu a partir de quatro elementos sonoros, pontua Dantas: o samba, o jazz americano, a música erudita e o silêncio. Este último simboliza o ouvido absoluto de João Gilberto e está representado na câmara anecóica (quer dizer, sem reverberação), uma sala com 100% de isolamento acústico. Com exceção deste, a música está em todos os outros espaços.   A bossa nova foi uma onda que se ergueu do mar, e não se fez sem praia, exemplifica Dantas. Para reconstituir melhor o ambiente em que o movimento nasceu, uma réplica da famosa calçada de Copacabana foi construída na parte inferior da Oca, com pedras portuguesas pretas e brancas, alternadas em blocos em formato de ondas. Vários caminhões de pó de mármore foram despejados ao lado da calçada para compor o cenário, fazendo as vezes de areia. "Se você observar, aqui na praia estão Niemeyer e Burle Marx. Não é à toa que eles tinham um diálogo", observa Dantas. A iluminação muda de tons conforme as horas do dia.   Do outro lado ficam as placas de vidro, onde serão projetados os filmes, com cordas de nylon, dispostas como na entrada, formando uma cerca divisória. A areia é separada de maneira surreal do mar do Rio, que pode ser contemplado em constante movimento em imagens aéreas, projetadas no teto do último andar. A megaprojeção é parecida com a do sistema Imax. Dantas instalou um enorme sofá de 36 metros , disposto de maneira que o público relaxe para ver as imagens enquanto ouve as 20 principais canções de bossa nova, que saem dos alto-falantes instalados no encosto reclinado do sofá. Essas gravações têm o som original dos discos de vinil. Quanto tempo leva para ver isso tudo? Só de filmes são três horas. Imagine o resto. Portanto, vá sem pressa para entrar no clima de doce balanço a caminho do mar. Pelo menos virtualmente, o paulistano tem seu sonho realizado na praia do Ibirapuera: a "Ocacabana".     Rádio Eldorado   Uma iniciativa da Rádio Eldorado, a exposição interativa e multimídia Bossa’50 abre as portas ao público no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera, na próxima terça (dia 15). Gratuita, ela tem a preocupação de contar as influências e os desdobramentos do movimento bossa-novista que mudou o panorama musical brasileiro em meados do século passado. Ela vai até 24 de agosto.   Faz também 50 anos que a Rádio Eldorado foi criada. Ela foi a primeira no Brasil a tocar Chega de Saudade."Em 1958, a Eldorado foi a única que teve coragem de tocar a música de Vinicius de Moraes e Tom Jobim em ritmo de bossa nova", diz Miriam Chaves, diretora-executiva da rádio. Miriam diz que a Eldorado combina com a bossa nova, porque tem no DNA a união entre sofisticação e simplicidade.   A curadoria da exposição é do professor da PUC-SP Walter Garcia Jr. Autor de Bim Bom: A Contradição Sem Conflitos de João Gilberto (Paz e Terra, 1999), Walter Garcia Jr. se preocupou em traçar um painel que tanto olhasse para o passado como para o futuro da bossa nova. "A extensão da bossa nova é maior do que 1958, a gente escolhe uma data porque precisa de um marco para estabelecer mudanças", ele diz.   Walter Garcia Jr. considera como marco da bossa o 78 rotações de João Gilberto com as obras Chega de Saudade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) e Bim Bom (João Gilberto), e não o elepê Canção do Amor Demais, de Elizeth Cardoso, onde pela primeira vez aparece a batida de violão joãogilbertiana. "A interpretação de Elizeth não é bossa nova, ela canta de outro jeito", ele explica. "A bossa nova busca o que é essencial, e João Gilberto achou a essencialidade, é aquela coisa: se acrescentar sobra, se tirar, falta."   Nesse momento, segundo o professor da PUC-SP, a bossa nova vira uma arte para consumo de massa. "Ela é generosa, é acessível, para as pessoas de pensamento sossegado, expressão emprestada de Mario de Andrade", afirma.   Bossa’50 volta ao anos 1930 para mostrar o caldo de cultura que culminaria na bossa nova. O modo de cantar de Noel Rosa, Mário Reis e Orlando Silva prenuncia o canto bossa-novista. A exposição mostra as outras fases da bossa nova, como o engajamento das canções de protesto. Também registra os desdobramentos, como a valorização do samba pela classe média e a ruptura dos tropicalistas.   A intenção da curadoria de Bossa’50 é mostrar com simplicidade e inteligência o que possibilitou a modernização da música brasileira, no mesmo momento em que o Brasil estava voltado para a transformação de um país agrário-exportador em uma nação urbano-industrial. Para tanto, material iconográfico e informativo coletado em jornais e revistas da época vai mostrar fatos importantes daquela e de outras décadas. Mais de 250 fotografias saíram do arquivo da Agência Estado.   O público poderá passear por 21 estações sonoras, onde estarão disponíveis cerca de 500 músicas, que varrem o período de 1930 até 2006 . Haverá a exibição de trechos de filmes em que a bossa nova esteve de algum modo presente. Fernando Faro cedeu entrevistas e interpretações dos artistas da bossa nova contidas no acervo do seu programa Ensaio. Com a seleção, Faro pretende mostrar o que foi essa "revolução musical". "A bossa nova começou em 58 e continua, os músicos aprenderam mais sobre violão e harmonia, e os caminhos percorridos depois foram abertos por ela", diz Faro. Além dos programas Ensaio, videoclipes de clássicos como O Barquinho (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli) serão produzidos pelos diretores Paulinho Caruso, Ricardo Laganaro, Caio Cobra e Hugo Gurgel.   O estilista mineiro Ronaldo Fraga criou figurinos inspirados em canções da turma bossa-novista e no espírito do movimento. Ele dá continuidade às criações inspiradas em Nara Leão, exibidas na São Paulo Fashion Week no ano passado.   Cerca de 250 elepês, entre os quais 30 raríssimos, pertencentes à coleção de Caetano Rodrigues, contam por meio da criatividade gráfica um pouco mais da história da bossa nova. A pesquisa sobre as capas dos discos foi feita por Charles Gavin.   Bossa na Oca. Oca. Avenida Pedro Álvares Cabral, s/n.º, portão 3, Parque do Ibirapuera 4003-1212. 3.ª a dom., 10 h às 21 h. R$ 20 (3.ª grátis). Até 7/9

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