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Bortolotto equilibra o patético e o melancólico

Por Agencia Estado
Atualização:

A vida é cheia de som, fúria, ladrões de carros e picaretagens amorosas na peça Nossa Vida não Vale Um Chevrolet, de Mário Bortolotto e o grupo Cemitério de Automóveis, em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso. A alusão, no início desse texto, ao espetáculo A Vida É Cheia de Som e Fúria, do curitibano Felipe Hirsch, não é mero jogo de palavras. O universo no qual Hirsch bebe para montar seu espetáculo, o texto do inglês Nick Hornby Alta Fidelidade) é análogo ao universo em que Bortolotto vive imerso há quase quatro décadas - é essa mais ou menos a sua idade. Mas Bortolotto é o anti-Hornby. E são as diferenças que legitimam a boa montagem do diretor do grupo Cemitério de Automóveis. Embora a cultura pop faça parte do seu ideário, ele é mais romântico que Hirsch, e fascinado também pelos gestos extremos da cultura americana: o caubói, o canivete, o blues, o bourbon sem gelo, a mulher de fala entrecortada, a vida sem regras. Outra diferença é que os anti-heróis de Bortolotto não passam as tardes fazendo listas para celebrar um ideário pré-nostálgico do mundo pop. Eles têm coisas mais urgentes a fazer, como, por exemplo, "puxar" um Opalão para vender e pagar a fiança do irmão que está na cadeia - nunca uma Caravan, por favor, que isso é coisa de amador. Os anjos tortos de Nick Hornby ouvem Echo and the Bunnymen, Elvis Costello, Sex Pistols. Os outsiders de Bortolotto gostam de Gene Vincent, Jerry Lee Lewis, Thelonious Monk. Hornby teve como referências os arquivos das publicações New Musical Express e Melody Maker. Bortolotto prefere Bukowsky e John Fante. Isso quer dizer que um é melhor que o outro? Nada disso. Quer dizer apenas que ambos estão interessados nos personagens e no ritmo de sua época, na coreografia do skatista e na farsa do rock´n´roll, embora o drama de Hornby seja mais vazio e distante do que os dramas encenados pelo grupo Cemitério de Automóveis. Na trama, Jairo Mattos é Monk, o mais velho do clã dos Castilho, composto por irmãos desajustados que roubam carros e tentam aos trancos e barrancos manter-se em família, por motivos que não sabem explicar muito bem. A mãe enlouqueceu e o pai bateu as botas. A irmã, mitomaníaca, espera anotar um dia na sua agenda o telefone de um real pop star. Nossa Vida não Vale um Chevrolet conquista aos poucos a platéia, com cenas e personagens entre o patético e o melancólico. É impagável a repetição do ritual de preliminares entre os irmãos e sua namorada comum. O texto da garota (a boa atriz Fernanda D´Umbra) é sempre o mesmo, as reações é que são diferentes. Nossa Vida não Vale um Chevrolet - Texto e direção Mário Bortolotto. Com Jairo Matos, Fernanda D´Umbra e outros. Duração 70 minutos. Sexta e sábado, às 21 horas; domingo às 20 horas. R$ 10,00. Teatro Sérgio Cardoso. Rua Rui Barbosa, 153, em São Paulo, tel. (11) 288-0136. Até 17/12.

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