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Bonequinha de Luxo

Enfim, Celly Campello, a primeira popstar do País, tem seus álbuns lançados em CD

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Por Edmundo Leite
Atualização:

Um rapaz bonito foi o responsável pela explosão do rock no Brasil. Desconfortável em cantar com um tom não adequado ao seu timbre, além de ainda ter de exaltar - mesmo em outra língua - a beleza de alguém do mesmo sexo, um topetudo do Interior de São Paulo sugeriu aos seus produtores que a irmã caçula cantasse Handsome Boy (Belo Rapaz), programada como uma das faixas daquele que seria a sua estreia fonográfica. Sugestão aceita, o jovem cantor retornou de ônibus à sua Taubaté para ensaiar a debutante durante o fim de semana para a gravação que aconteceria na segunda-feira na capital.

Afinada até para chorar, segundo dizia-se na família, a menina de 16 anos tirou de letra a missão e encantou a todos no estúdio com a sua voz e graciosidade. Entrando de última hora no 78 rotações do irmão, começava a meteórica trajetória da primeira rock star brasileira. As várias canções gravadas por Celly Campelo no curto período que começa naquele 1958 e se estende até o início de 1962 chega às lojas pela primeira vez na era digital. Remasterizados pelo selo Discobertas, especializado em resgatar raridades de acervos das gravadoras, os seis LPs da cantora estão sendo relançados na caixa Estúpido Cupido (R$ 112,00), com capas e contracapas originais, além de faixas bônus e textos especialmente escritos pelo músico e pesquisador do rock brasileiro Albert Pavão. Na noite em que Celly entrou no estúdio pela primeira vez, ainda não havia Rita Lee, perfeita tradução apenas de uma pirralha atazanando a família. O moleque Raulzito só fazia matar aulas no colégio em Salvador enquanto sonhava em ser Elvis Presley. Na mítica Tijuca carioca, os rapazinhos Roberto, Erasmo e Tião ainda engatinhavam em busca de uma carreira artística. Wanderlea era só uma garotinha. Um ano depois, quando Estúpido Cupido estourou e tomou conta do País, a folhinha do calendário apontava que a década ainda era a de 50, mas o balanço das horas parecia mais rápido. Todos os citados acima estavam mais ou menos na mesma situação de antes. Mas agora podiam curtir e dançar músicas do ritmo que tanto gostavam cantadas em português. Mais que um ídolo para venerar, tinham agora um rumo a seguir. Não que ninguém tivesse cantado rock profissionalmente no Brasil antes. Desde que a trintona dama do samba-canção Nora Ney gravou um cover de Rock Around the Clock, em 1956, as filiais brasileiras das gravadoras tentavam emplacar algum artista nacional cantando o novo ritmo que incendiava moços e moças americanos. O jovem crooner Cauby Peixoto era um estranho no ninho do rock, mas em 1957 encarou o desafio de gravar a pioneira Rock and Roll em Copacabana. Nesse mesmo ano, Betinho aparecia nas telas de cinema cantando Enrolando Rock num filme de Anselmo Duarte. Ainda que bem distante da imagem de rebeldia grudada ao estilo musical desde o vandalismo dos cinemas nas exibições de Sementes da Violência (1955), Celly Campelo faria mais pelo rock nacional com sua doçura e jovialidade que muito cabeludo feio, sujo e malvado. Sempre orientada e pageada pelo irmão cantor e rocker de primeira hora Tony Campello, a menina prodígio vinda de Taubaté gravaria versões em português dos melhores rocks açucarados já feitos em inglês. Era impossível resistir. E até os mais sisudos dos críticos se rendiam ao seu charme e, sobretudo, talento. Os executivos da Odeon ainda não tinham ideia do ouro que tinham em mãos quando foram para Taubaté, dias depois da primeira gravação, assinar um contrato de uma ano e três disquinhos 78 rpm com Célia e Sérgio, nomes reais do casal de irmãos que viveria uma vida de estrela de Hollywood pelos próximos quatro anos. O relativo sucesso das primeiras canções agradou, mas nada que animasse uma renovação mais duradoura. Foi quando Tony recebeu a dica de um amigo sobre uma canção que ouvira na leva de discos do catálogo estrangeiro que chegava para as gravadoras. Assim que ouviu a música de Neil Sedaka e Howard Greenfiel sobre uma mocinha brava com o anjo do amor, Tony correu para procurar Fred Jorge, versionista de primeira que assistira in loco às transformações de comportamento provocadas pelo rock nos Estados Unidos. Mestre na arte da palavra escrita e capaz de escrever qualquer coisa que lhe pedissem, Fred não precisou de mais que 15 minutos para rabiscar na frente de Tony uma tradução que fizesse sentido em português falado nas ruas e que coubesse nas notas da música. E caprichou. Os versos "Oh Cupido vê se deixa em paz, meu coração que já não pode amar..." cantados por Celly ficariam para sempre na memória musical brasileira. O sucesso estrondoso, que ainda teria hits como Lacinho Cor de Rosa e Banho de Lua, fez de Celly uma pop star requisitada para apresentações em todo o país. Junto de Tony, teria um programa próprio na Record e estrelaria campanhas publicitárias, com direito até a uma boneca com seu nome. Mas havia um belo rapaz que desde o colégio fazia a sua cabeça. E Celly largou tudo para se casar com ele.

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