
19 de janeiro de 2012 | 03h08
As pedras. Disseram do naufrágio do Titanic em 1912 que ele simbolizou o fim tardio do século 19, com sua fé na tecnologia e no domínio do homem sobre a natureza. Se aquele magnífico navio adernado na costa da Itália simboliza alguma coisa é o fim de outra ilusão que ninguém esperava fosse acabar: a união europeia, o euro forte e os anos de euforia com o dinheiro farto. E ninguém viu as pedras.
Errei. Há uma semana comentei aqui o fato de Mitt Romney, candidato a candidato republicano nas próximas eleições presidenciais americanas, ser da religião mórmon. Como sua Igreja permitia a poligamia, brinquei que ele teoricamente poderia chegar à Casa Branca com duas ou três primeiras-damas. Vários leitores escreveram para me corrigir. A poligamia ainda é praticada por um grupo dissidente de mórmons, que não é o do Romney, mas foi abolida pela Igreja oficial há mais de um século. Meu erro de mais de cem anos foi imperdoável, mas peço perdão assim mesmo. Não se repetirá. Gravarei com brasa na testa, para nunca mais esquecer: informe-se antes de dar palpite.
Na mesma crônica eu disse que a religião de cada um só interessa a cada um e que nenhuma religião, por mais que se considere a única verdadeira, tem uma explicação melhor do que outra para os mistérios da vida e da morte. Mas o respeito ao direito do outro de acreditar no que bem entender não exclui um exame secular da sua crença, ou do que ele precisa aceitar para aceitá-la. Não é julgamento, é curiosidade intelectual. Todas as religiões têm origens sobrenaturais e exigem de seus fiéis diferentes graus de suspensão de descrença, em alguns casos espantosos, e por isso mesmo fascinantes. Ou assustadores, quando levam ao fanatismo e à intolerância. O que, obviamente, não é o caso da Igreja mórmon.
E quem garante que a crença mais estranha de todas não seja o ateísmo, que nem explica os mistérios nem conforta os espíritos?
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