PUBLICIDADE

Boldrin põe em livro sua irresistível conversa fiada

Ele vem ganhando a vida com sua lábia de matuto há 43 anos. Agora reuniu em Contando Causos, que será lançado hoje em SP, 70 histórias retiradas de uma grande galeria de tipos do imaginário caipira

Por Agencia Estado
Atualização:

Rolando Boldrin ganha a vida na conversa fiada. Com voz grave, comendo os erres e esses, ele emenda uma história na outra e vai seduzindo o ouvinte. Aos 64 anos, ele é incapaz de se lembrar quantas ouviu e guardou, mas resolveu reunir parte delas no livro Contando Causos (Editora Nova Alexandria, 159 págs.), que foi lançado na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, e hoje ganha novo lançamento, em São Paulo, na Livraria Cultura, do Conjunto Nacional. Boldrin hesitou muito antes de colocar sua prosa no papel. Sabe que, ao vivo, agachado ou sentando em um banquinho com os dedos ocupados em picar fumo seu tiro é certeiro - em 43 anos de carreira, nunca ninguém cochilou na cadeira ao ouvir sua lábia de matuto. Por isso deu tratos à bola e caprichou para botar seus melhores causos em letra de fôrma. Selecionou mais de 70 deles e os dividiu em temas dos quais surge uma grande galeria de tipos do imaginário caipira. Linguajar do tabaréu - Há histórias de bicho, de padre, cabra-macho e borra-bota, "otoridades", muquiranas, comprades e mentirosos. Para não perder a oralidade das histórias, Rolando Boldrin inspirou-se em uma dupla literária de forte tradição popular: os paulistas Juó Bananère e Cornélio Pires. Do autor de La Divina Increnca, valeu-se do patois falado pela colônia italiana de São Paulo para reproduzir o linguajar do tabaréu, enquanto teve no segundo um modelo e exemplo de autêntico divulgador da cultura popular. Causos no palco - Cornélio Pires foi um dos pioneiros da literatura regional paulista, autor de dezenas de livros sobre o folclore e as tradições rurais do Estado. Foi também quem, em 1929, bancou a primeira experiência em vinil da música caipira. Rolando Boldrin tinha 10 anos quando o ouviu falar para centenas de pessoas no pequeno ginásio de São Joaquim da Barra, no Oeste paulista. "Ele contava causos e matava a gente de rir. Percorria todo o Estado dando esses shows. Eu já tocava viola e cantava desde os 5 anos e dali para frente decidi que também seria um contado de causos", lembra o violeiro. Era comum na família Boldrin que aos 13 anos os filhos escolhessem um ofício e, aos 16, saíssem de casa. Rolando ganhava a vida na viola, reunindo gente em torno dele e do irmão em praças e teatros de São Joaquim para ouvi-los tocar e cantar. Resolveu ser sapateiro para satisfazer o pai, mas quando pegou o trem da Mogiana para São Paulo queria tentar a sorte no rádio. Dormiu três noites na rua, deu com a porta na cara em todas as emissoras que procurou, botou a viola no saco e voltou para casa. Três anos depois, resolveu tentar de novo e conseguiu uma ponta como rádio ator na Tupi. De lá para cá não parou mais. Participou de 25 novelas e gravou 20 discos. Em 1981, estreou o programa Som Brasil, na Rede Globo, com o qual abriu as porteiras da mídia para a música sertaneja. Boldrin contava causos e chamava seus convidados para tocar e cantar. No Som Brasil - Passaram por lá modinheiros, violeiros, repentistas e cantores de rincões os mais desconhecidos do Brasil. Três anos depois de colocá-lo no ar, foi substituído por Lima Duarte, que não conseguiu segurar o Ibope nos 30 pontos nas manhãs de domingo, média mantida por seu antecessor enquanto o comandava. Boldrin sumiu da televisão, mas continua com o pé na estrada. É freqüentemente convidado para animar palestras e dar shows no interior. Sua principal preocupação e objetivo é manter a tradição cultural do caipira. Americanização - Mesmo com a desenfreada urbanização e mudança de hábitos e costumes da população rural, ele insiste em afirmar que o matuto ainda resiste. Mesmo no interior desenvolvido de São Paulo ele garante haver duplas que entoam modas de viola como se fazia há 50 anos. "O problema é que as gravadoras não estão interessadas nesses músicos. O negócio agora é a americanização, como os rodeios em Barretos e a moda country." A uniformização gerada por isso ofusca a rica variedade regional brasileira. Exemplo dessa riqueza pode ser conferida no livro no qual há histórias de raízes nordestinas, mineiras, paulistas e gaúchas. O que une essa diversidade são os causos, de acordo com Boldrin, para os quais são necessários dois ingredientes: um sujeito aparentemente simples e ignorante do interior que passa a perna em um outro sujeito da grande cidade e um desfecho engraçado.Mas quem ouve Rolando Boldrin sabe que sem um terceiro ingrediente nada disso funciona e é aí que entra sua irresistível conversa mole. Contando Causos - (Ed. Nova Alexandria), de Rolando Boldrin. 159 páginas Preço: R$ 19,00. Lançamento em São Paulo hoje, a partir das 18, na Livraria Cultura (Av. Paulista, 2.073 - Conjunto Nacional).

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.