Bill T. Jones fala sobre sua cia. de dança, que vem ao Brasil

A cia. de dança Bill T. Jones/Arnie Zane vai apresentar o espetáculo Another Evening - I Bow Down no Rio, em Brasília e em São Paulo

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Por Agencia Estado
Atualização:

São várias as mudanças, em relação às três vezes anteriores (1990, 1997, 2002) em que a cia. de dança Bill T. Jones/Arnie Zane esteve no Brasil. Nesta quarta turnê, que vai começar pelo Municipal do Rio (26 e 27 de agosto), passa pelo Teatro Nacional, em Brasília (30 de agosto) e se encerra no Municipal de São Paulo (1.º e 2 de setembro), o grupo apresenta Another Evening - I Bow Down. Estreada em fevereiro, no Skirball Theatre, em Nova York, esta obra tem por característica se ajustar ao lugar onde se apresenta. Assim, não se trata de um espetáculo no sentido habitual do termo, mas de uma série de coreografias abrigadas debaixo do mesmo nome, que variam em função do tipo de adaptação aplicado em cada montagem. Para a produção brasileira, Bill T. Jones declarou que gostaria de incluir referências a desastres ecológicos daqui, e ainda está pensando no que fazer, depois de ser informado que, por estes lados, eles não são freqüentes. Além de trazer uma criação que ganha ares locais, é a primeira vez que a companhia, de longa trajetória (24 anos), tem um diretor musical. Daniel Bernard Roumain, ou DBR, como Bill o chama, "é um músico jovem, nos seus 30 anos, que tem Ph.D em música clássica e mantém uma crítica muito raivosa ao sistema que faz esse mercado funcionar, ao qual atribui total ausência de diversidade". Foi DBR o responsável pela inclusão, pela primeira vez na história da cia., de uma banda de heavy metal, a Regain the Heart Condemned, do Bronx, ao vivo, dividindo o palco com o elenco. De sua casa, Bill T. Jones falou por telefone ao Estado na manhã de sexta-feira. Abaixo, os principais trechos da conversa. É a primeira vez que tenho alguém com quem conversar sobre música, pois nunca tivemos um diretor musical. Quando fomos convidados pela New York University a criar algo, foi Daniel quem me disse que, se eu quisesse mesmo falar com uma platéia mais jovem, deveria pensar na música como um veículo propiciador de contato. Quando me propôs uma banda de heavy metal, a princípio relutei, pois estava ainda imerso em pensamentos do tipo "ceder ao gosto dos jovens", "usar estratégias apelativas", coisas por aí. Só depois de entender toda a sua proposta para a trilha é que pude perceber que não se tratava de pensar a música somente como um atrativo, um chamariz. Hoje, sou muito grato à sua sugestão. Pena que ele não possa estar conosco no Brasil. No lugar de seu violino, colocaremos um cello elétrico. O aspecto apocalíptico da música trouxe o tema do desastre ou foi o inverso? Não aconteceu ao mesmo tempo. Quando houve o furacão Katrina, eu não pensei em fazer nada. Só quando decidi refazer Another Evening, depois de ter encontrado um músico russo chamado Anton Batagov durante uma turnê pela Rússia, é que o Katrina voltou à minha cabeça, e voltou já conectado com Noé, e com outras tragédias ligadas à água. A quantas anda o seu interesse em construir bailarinos? Há cerca de 14 anos atrás, as coisas começaram a mudar. Aquilo que era tão simples no meu movimento, e que compunha o meu jeito de dançar isolando partes do corpo, usando ondulações, misturando movimentos pedestres aos das técnicas que estavam consolidadas - comecei a pensar em como organizar melhor um modo de passar para outros corpos esse conjunto de atributos. Desde então, o meu interesse não é por desenvolver uma técnica de dança, mas chegar a uma espécie de currículo de um estilo. Qual é a diferença, em termos pedagógicos? Uma coisa é o que vamos fazer quando estivermos instalados na nossa futura sede, no Harlem. Lá, vamos oferecer cursos de diferentes técnicas de dança para estudantes. Outra coisa é o que chamo de "construção de bailarinos", e que diz respeito mais à companhia. Isso já está acontecendo, através do tipo de aula que o elenco faz diariamente. Quando vejo cada um dos bailarinos em cena, percebo que já existe, entre eles, um entendimento básico comum a respeito da mecânica do movimento e das transições entre os movimentos, por exemplo. São aquisições que considero muito importantes e que já me parecem estar no DNA da companhia. Você continua criando no seu corpo e depois passando para o elenco? Nosso trabalho hoje é intensamente colaborativo. Há uns 12 anos começamos a desenvolver juntos esse outro modo de compor, em que trago uma frase, mas ela é trabalhada por todos. O movimento continua sendo meu, mas o que se vê no palco é o resultado das variações dos bailarinos, arranjadas por mim, sobre essas frases que trago prontas. É possível perceber a passagem do tempo? Estou grisalho, o lugar da companhia na minha vida, o lugar da companhia no mundo, tudo isso existe agora de outra maneira para mim. Os corpos jovens e bonitos, aptos a despejarem muita velocidade e energia no palco, têm agora outro significado também. Sei que as questões que busco abordar de modo pessoal não são únicas nem só minhas. Penso que todos estão preocupados em descobrir qual a ação certa, qual a que vale a pena ser feita. E sei que a minha tarefa é apresentar essas mesmas questões do modo mais refinado que conseguir. Você é religioso? Posso te dar uma resposta tipicamente americana, dizendo que minha arquitetura emocional é batista, mas essa não é a minha prática. Mas talvez seja mais honesto dizer que devo ser mais um desses confusos contemporâneos. Na verdade, estou vivendo uma crise da fé no meu coração. Tento entender as relações entre a violência das catástrofes, a capacidade do homem em se recuperar, e o ato budista de se prostrar, por exemplo. O budismo me atrai, tenho um irmão zen budista, aprendi muito sobre o budismo com a música de Cage. Mas ainda tenho muita vontade de gritar muitas palavras e de promover situações de transe em cena, e isso me parece ainda bem afastado do budismo. Por enquanto, fico com a estética contemplativa do budismo, pois acho que ainda preciso continuar a me prostrar (to bow down) para as questões que me intrigam, justamente porque precisam continuar a ser feitas.

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