Bill T. Jones apresenta dança política

Coreógrafo americano e sua companhia mostram quatro peças curtas na turnê brasileira, marcadas pela rebeldia temática e pelo estilo atlético

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Por Agencia Estado
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Bill T. Jones está no Brasil. Um homem negro, com pouco mais de 50 anos, forte, corpo atlético. Uma pessoa doce e simpática, com jeito sereno que pouco parece com as coreografias que cria, consideradas por muitos como sinômino de rebeldia. O grupo Bill T. Jones/Arnie Zane Company estréia uma rápida turnê pelo Brasil: sexta-feira, em Porto Alegre, no Teatro do Sesi; domingo, em Brasília; dos dias 7 a 9, em São Paulo, no Teatro Alfa; e, para encerrar, dias 11 e 12, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Jones pode ser considerado uma referência na dança contemporânea mundial. Reconhecido por seu trabalho engajado às questões sociais e por sua criatividade em cena, o coreógrafo traz ao Brasil um programa eclético, composto por quatro coreografias curtas: Verbum (24 min), Power/Full (10 min), Black Suzanne (15 min) e Some Songs (26 min). Verbum, conforme explicou Jones durante coletiva para a imprensa, nasceu, como o título denuncia, de uma reflexão sobre o verbo, ou em um sentido bíblico, "o verbo (no início era o verbo)". "É uma coreografia de ação. A partir da música de Beethoven, criei um solo em 1996, que depois foi se modificando e ganhou espaço para bailarinos no palco", diz. "Em Verbum, tinha a responsabilidade de um trabalho intelectual que fizesse jus à música de Beethoven." Para compor Power/Full, Jones voltou sua atenção à criação de novos movimentos. "Antes de coreografar, fiquei pensando sobre a construção dos gestos. O que é um movimento? Como transformar idéias em ação?", questiona. Nesse sentido, Jones remete-se à coreógrafa norte-americana Trisha Brown. A música causa impacto. Laurie McDonald e John Oswald foram os responsáveis por uma trilha considerada "selvagem" pelo próprio Jones. "Eles manipularam canções religiosas como o heavy metal. O efeito é extremamente agressivo." A delicadeza de uma pequena flor muito conhecida nos Estados Unidos somada com a música de Dmitri Shostakovich trazem à tona toda a força de Jones. "Black Suzanne pode ser considerada ao mesmo tempo delicada e forte. Os movimentos são intensos, como se os bailarinos estivessem em uma quadra. O figurino é bem característico: o vermelho colado ao corpo lembra uniformes." Para fechar o ciclo de apresentações, Some Songs fala sobre forma, beleza e emoções. Os artistas são embalados pelas canções de Jacques Brel, um sucesso nos anos 60. "As composições foram importantes nessa década, mais ainda pelos aspectos políticos discutidos." Estilo - A rebeldia de Jones, que marcou o início de sua carreira, dá espaço à maturidade artística, com obras reflexivas. Suas coreografias continuam bem estruturadas, criativas, impactantes. O que está mais forte, como explica o coreógrafo, é a reflexão. "As peças são mais intelectuais. Há a preocupação em criar movimentos diferentes, investigar formas e mais que tudo pensar sobre todos esses elementos." Uma das grandes questões do trabalho de Jones é: "Para que serve o movimento? Apenas para agradar aos olhos?" Para traduzir idéias em dança, Bill T. Jones realiza um trabalho meticuloso em estúdio. Desenvolve movimentos, elabora solos que são registrados em vídeo. "Quando tenho de dançar, faço um movimento, depois passo para alguém executá-lo no meu lugar enquanto observo." O trabalho é estudado por ele e por professores da companhia. A maior responsável em levar essa dança solitária aos bailarinos é a diretora de ensaios, Janet Wong. "Janet faz a conexão: elabora exercícios que facilitam a desenvoltura no momento de dançar, abre espaço aos artistas. Ela sabe como ensinar." A professora dará uma master class para 20 bailarinos em Porto Alegre e também participará de palestras na Uerj. "Não é fácil traduzir esses movimentos aos bailarinos. Cada um possui seu estilo, sua maneira de dançar. Sempre ouço o que eles têm a dizer, instigo às indagações, sugiro que pensem sobre aquilo que fazem, para que a dança não seja apenas uma ato formal." A improvisação estruturada também está presente nas coreografias de Jones, um momento de interação com os intérpretes. De acordo com o coreógrafo, a dança moderna precisa ter um performer carismático e interessante. Para basear esse estilo ele destaca a importância da teoria, das aulas e de mentes analíticas. "Trabalho com conceitos, como a relação entre peso e corpo. Algo intelectual, observar e estudar essa relação, e ao mesmo tempo físico. Não me refiro somente à técnica, busco o estilo. Esses aspectos são observados nos bailarinos.Costumo perguntar: o que você está sentindo quando está dançando? Quero que eles tragam informações, contribuam." "Sou um socialista", declara. "Procuro agir em minha companhia como gostaria que as pessoas agissem no mundo. Acredito na liberdade e no respeito pelo outro. A democracia é fundamental, todos podem falar, discordar." O engajamento político está presente em toda a obra de Jones - um repertório composto por mais de 75 coreografias que militam contra a segregação racial e sexual. "Problemas sociais estão presentes em todo o mundo. A arte não pode ser apenas formal", declara. "Para observar a crítica em uma linguagem específica como a dança, é necessário fazer uma leitura das cenas, dos gestos." Para ele, um bom exemplo está em Power/Full no momento em que um bailarino está posicionado à frente dos demais. Uma oposição, um contra todos. "Em minhas coreografias não há papel definido para homens e mulheres, não existe esse tipo de dualidade, é um aspecto ambíguo, em aberto." Trajetória - Bill T. Jones é o décimo filho de uma família de 12 irmãos. Nasceu em uma região rural da Geórgia, em um lar pobre. A mãe, protestante, às vezes linha-dura, foi a primeira influência artística na vida de Jones. "Eu a via cantar, pregar aos domingos e no Natal ela costumava representar. Foi a primeira performance que eu vi." O contato com a dança só ocorreu aos 19 anos de idade, na Universidade. Lá descobriu seu interesse por essa arte. Também foi lá que conheceu seu companheiro, Arnie Zane. Técnica afiada - A dupla fundou, nos anos 80, a companhia que leva o nome de seus criadores. O estilo atlético combinado com técnica afiada, que marcou a dança desse período, somado às críticas e incertezas sobre o futuro, valeram, à companhia, o rótulo de rebelde. "No início, minha preocupação estava em mim, queria saber se as pessoas me amavam, o que pensavam sobre o meu trabalho. Após a morte de Arnie, um momento muito doloroso, passei a questionar quais eram os meus valores e a entender a dança como algo muito maior." Arnie Zane morreu em março de 1988, vítima de aids. No aspecto artístico, Jones recebeu influências de danças folclóricas caribenhas e africanas. Doris Humphrey e Martha Graham, a dança experimental, o contato com a improvisação de Steve Paxton e o acaso de Merce Cunningham foram suas referências na dança. "Cunningham é o mais importante coreógrafo dos últimos anos. Seu trabalho alterou o curso do ato de coreografar." As artes plásticas e a literatura, com o escritor Marcel Proust, também marcam a obra do coreógrafo. A turnê da companhia Bill T. Jones/ Arnie Zane Company compõe o projeto Antares Dança/2002 e conta com o apoio do Ministério da Cultura, KPMG e Embratel.

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