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Bienal por um inglês respeitado

O crítico Guy Brett, que promoveu a obra de Hélio Oiticica, fala da mostra

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Em 1965, um ano e meio após o golpe militar, ele entrou na 8.ª Bienal de São Paulo e, depois de circular entre os maiores nomes do minimalismo americano, descobriu que existia vida inteligente também abaixo do Equador. Na sala vizinha ao nicho minimalista de Donald Judd e Frank Stella, um artista carioca ainda pouco conhecido, Hélio Oiticica exibia seus bólides que, a essa altura, isto é, durante a ditadura, já haviam evoluído de simples caixas cromáticas para caixas políticas, feitas em homenagem a marginais executados nas ruas pela polícia. O crítico, impressionado, levou consigo a imagem daquele bólide-manifesto para a Inglaterra, seu país natal, determinado a divulgar a obra de Oititica na Europa. No mesmo ano, incentivado pelo crítico brasileiro Mário Pedrosa, organizou uma exposição sua em Londres. Hoje, 45 anos depois, Guy Brett volta à mesma bienal para rever duas obras históricas de Hélio Oititica, a bandeira Seja Marginal, Seja Herói e um "Ninho", instalação que o artista mostrou pela primeira vez em 1970, no Museu de Arte Moderna de Nova York.Brett tem sido, desde então, o grande embaixador da arte brasileira na Europa, apresentando ao continente artistas do porte de Lygia Clark, Sergio Camargo e outros, que ajudou a promover graças ao prestígio que goza junto à comunidade artística e diretores de museus. Prova desse respeito foi o convite feito pelo Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, de Madri, para assinar a curadoria da retrospectiva do pintor, escultor e arquiteto belga Georges Vantongerloo (1886-1965), pioneiro da escultura abstrata e um dos integrantes do histórico grupo de abstracionistas De Stijl, ao qual pertenceu Mondrian. A mostra, encerrada em fevereiro, foi um dos grandes eventos desta temporada no Reina Sofia.Na última quarta-feira, Brett fez uma palestra sobre o discípulo brasileiro de Vantongerloo, o escultor carioca Sergio Camargo (1930-1990), homenageado com uma retrospectiva no Instituto de Arte Contemporânea (IAC), onde o crítico inglês concedeu uma entrevista exclusiva ao Caderno 2, fazendo um primeiro balanço do que viu na 29.ª Bienal de São Paulo, aberta na terça para convidados e ontem ao público. Desta vez, Brett volta à Inglaterra desapontado com o que viu. Incomodou-o a "cacofonia" de sons amplificados das obras expostas, particularmente a instalação Bandeira Branca, do artista paulistano Nuno Ramos, formada por três esculturas de taipa de pilão em areia-preta e caixas de vidro sonoras. Demarcada por uma tela de proteção, a instalação confina três urubus ao som de canções populares como Carcará. Brett usou apenas uma palavra para definir a obra: "sinistra".Brett admite não conhecer como deveria a obra de Nuno, mas só identifica um artista brasileiro presente na Bienal como herdeiro do espírito revolucionário de Oiticica, Cildo Meireles, cuja obra não estava montada quando o crítico visitou a mostra. Ele considera outra instalação de Cildo, Como Construir Catedrais (ou Missão/Missões, 1987), uma obra fundamental na história da arte contemporânea e que incorpora sem grandes danos o conceito desta edição da bienal - o amálgama política/arte.Não é o caso do recifense Gil Vicente, segundo ele. Brett não se deixou impressionar pela polêmica provocada pela série de autorretratos do artista matando presidentes da República brasileira e a rainha da Inglaterra. Ele, que adora desenho, considerou o trabalho rudimentar. "Um pintor como o americano Leon Golub , morto há seis anos, já fez melhor, provando que estar sintonizado com o mundo real não significa condenar pessoas em particular."Em sua rápida visita à mostra, Brett dedicou um pouco mais de tempo a um artista já septuagenário que trabalha em registro semelhante ao de Cildo, o norte-americano Jimmie Durham - ele se apropria de objetos banais e confere aos mesmos um caráter político. "A sala dele pode parecer pouco confortável ao público, mas sugiro que o espectador não se deixe levar pela primeira impressão, porque Durham é, de fato, um dos grandes da bienal."

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