Bienal de 2002 começa a tomar forma

Curador alemão Alfons Hug fala dos rumos da arte contemporânea, levanta questões centrais de seu projeto, focado nas grandes metrópoles do planeta, e minimiza o fato de ser o primeiro estrangeiro a assumir a curadoria da Bienal

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

A próxima Bienal de São Paulo, programada para 2002 após dois polêmicos adiamentos que inviabilizaram o projeto do curador Ivo Mesquita, levando-o a pedir demissão, começa novamente a ganhar forma. O crítico alemão Alfons Hug, autor do projeto Iconografias Metropolitanas, que deverá nortear a exposição, está prestes a assumir o comando em tempo integral e tem pouco mais de um ano pela frente para tocar a empreitada, apresentada no início de 1999 como uma possível linha curatorial e que acabou agradando o arquiteto e presidente da Fundação Bienal, Carlos Bratke. Hug deve instalar-se em São Paulo no início do ano que vem, mas já faz uma visita de uma semana à cidade no final deste mês. Para dedicar-se exclusivamente ao projeto da Bienal, ele obteve uma licença de 18 meses do Instituto Goethe (onde trabalha desde 1980). Atualmente, Hug dirige a sede da instituição em Moscou, mas não sabe se continuará na capital russa após a mostra. Com um português fluente (é casado com uma brasileira e já realizou uma série de projetos no País), o crítico concedeu uma entrevista por e-mail, na qual falou sobre o fato de ser o primeiro estrangeiro a assumir a curadoria da Bienal de São Paulo, comentou os rumos da arte contemporânea e alinhavou algumas questões centrais de seu projeto que pretende mapear a produção atual das grandes metrópoles do planeta, levando em consideração aspectos universais e regionais. "A história da arte do século 20 é a história da metrópole", conclui o curador logo na abertura de seu projeto. Entre as cidades que devem ser contempladas no núcleo temático da exposição (com uma seleção de seis a oito artistas feitas com a colaboração de curadores internacionais) estão Tóquio, Nova York, São Paulo, Sydney, Johanesburgo, Londres e Caracas. Em vez de dividir o mundo em grandes regiões, como fizeram os segmentos Universalis e Roteiros (na 23.ª e 24.ª Bienais) o enfoque agora será dado à grande cidade, como principal motor da produção artística contemporânea. Agência Estado - O seu projeto parte de uma série de perguntas, como onde se produz arte hoje e se é possível falar numa arte mundial. É possível respondê-las? Alfons Hug - Vamos esperar que resposta os artistas encontrarão. Quero acrescentar mais uma pergunta: é valida para a arte a proposta da última Bienal de Arquitetura de Veneza, exigindo "menos estética e mais ética"? Na sua opinião, existe uma arte universal? A modernidade tem certos traços em comum, tanto no conteúdo como na forma. Os assuntos cruciais são, por exemplo, a ruína, o protesto e, para surpresa de muitos, a busca da beleza. Em relação à forma ou ao material se observa igualmente uma aproximação das diferentes culturas (cada vez menos pintura e mais objetos e instalação). Porém, acho que cada arte possui ainda um pouco da essência da cultura de onde ela vem. É inconfundível a pintura chinesa contemporânea e a "arte povera" de alguns artistas africanos que, por falta de recursos são obrigados a usar material muito pobre. É possível encontrar seis a oito artistas representativos de metrópoles tão amplas quanto as selecionadas? Essa seleção não é necessariamente reducionista? É reducionista como qualquer seleção. Não será difícil restringir a produção a ser representada apenas aos grandes conglomerados humanos? Isso não reforça uma visão centralizadora da produção artística, num momento em que os centros têm procurado ampliar suas fronteiras para além dos limites tradicionais? É na metrópole onde surge a "massa crítica" que cria a arte nova e onde se vive o grande drama da contemporaneidade. Em escala mundial, cada vez mais pessoas vivem nas metrópoles. A grande pergunta é se a arte contemporânea consegue acompanhar o ritmo da urbe ou se fica para trás. Seu projeto exige estabelecer parcerias com curadores de várias partes do mundo? Esses contatos já estão adiantados? É possível indicar alguns nomes? Infelizmente, não é possível. Como você teve a idéia de formular e apresentar um projeto para a Bienal de São Paulo? Tenho trabalhado com a Bienal há vários anos. Em 1995, na Casa das Culturas do Mundo, em Berlim, mostramos uma seleção de dez artistas da Bienal de 94 e convidamos o Nelson Aguilar (curador da 22.ª e 23.ª edições da mostra) para uma palestra. Em 96, Aguilar me convidou para uma palestra na Bienal sobre arte periférica. O texto do projeto Iconografias Metropolitanas escrevi em janeiro de 99, como uma possível proposta para uma Bienal no futuro. Já sabia que a mostra iria tratar da questão urbana sob a curadoria de Ivo Mesquita? Não sabia. Como disse, meu projeto tem quase dois anos e é mais antigo do que a nomeação de Ivo Mesquita. O que você acha de ser o primeiro estrangeiro a curar uma Bienal de São Paulo. Alguns acreditam que sua escolha tenha sido uma maneira de solucionar os conflitos internos relacionados à crise com a saída de Ivo Mesquita. O que você acha disso? A maioria das Bienais tem curador estrangeiro. Um suíço em Veneza, uma holandesa em Berlim, um nigeriano depois de uma francesa na Documenta de Kassel, uma japonesa em Istambul. Não é nada fora do comum. Acho que é uma maneira de se abrir às questões globais. Pode trazer também um pouco de imparcialidade. Dizem que você tem um grande interesse em levar a arte para fora dos espaços tradicionais. Você pensa em fazer algo do gênero em São Paulo? Tenho realmente interesse em arte do espaço público. Só que no caso da Bienal de São Paulo não é tão necessário levar a arte para a rua. O prédio da Bienal tem 30 mil metros quadrados, o que é suficiente. Há em seu projeto alguma grande inovação no que se refere ao formato da Bienal nos últimos anos (representações nacionais, núcleo histórico e uma visão curatorial da arte de várias partes do mundo?) As representações nacionais devem continuar porque fazem parte do perfil da Bienal de São Paulo: vou tentar incorporá-las ao projeto das Iconografias Metropolitanas, que abrange dez a onze metrópoles no mundo inteiro. Uma inovação poderia ser um núcleo de web art (arte de Internet). Sobre os núcleos históricos ainda não posso comentar nada. Você acompanha a produção contemporânea brasileira? Que espaço pretende dar aos artistas locais? Tenho acompanhado desde 1990. Trabalhei com um grande número de artistas brasileiros no Brasil e na Alemanha (Tunga, Waltércio Caldas, Miguel Rio Branco, Rosângela Rennó, Mario Cravo Neto, Emmanuel Nassar, Ernesto Neto, Marcos Coelho Benjamin, Sandra Tucci, Fernanda Gomes, Mariannita Luzzati, Cecília de Medeiros, Valeska Soares, Adriana Varejão...) Pretendo dar um espaço grande à arte brasileira, que figura entre as mais fortes no mundo. Na última Bienal gostei por exemplo das fotos de Rochelle Costi e da pintura de Beatriz Milhazes. Na Venezuela, trabalhei com Roberto Cabot (Rio de Janeiro/Köln) que é um ótimo artista de Internet.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.