Biblioteca Nacional festeja 190 anos

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Por Agencia Estado
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Nesta terça-feira, a Biblioteca Nacional completa 190 anos. Mas a festa já começou. O colóquio internacional O Lugar do Livro: Entre a Nação e o Mundo é o primeiro evento comemorativo do aniversário. Foi aberto ontem na Academia Brasileira de Letras (ABL) e segue até esta quarta. Nomes de peso, do Brasil e de fora, vão discutir o livro e a palavra escrita no mundo da tecnologia. Entre eles, o sociólogo Michel Maffesoli, o filósofo Gianni Vattimo e escritores brasileiros como Carlos Heitor Cony e Lygia Fagundes Telles. A data ainda enseja uma semana comemorativa em outubro e o relançamento da Revista do Livro, histórica publicação fora de circulação há 30 anos. O Lugar do Livro conta com a participação da Unesco, que fez do evento a segunda parte do seu programa Os Caminhos do Pensamento. "Trata-se de colocar o livro em questão", diz Eduardo Portella, presidente da Fundação Biblioteca Nacional e imortal da ABL. No evento, os palestrantes levantarão temas como a supremacia da cultura visual sobre a escrita e tentarão responder a uma pergunta chave: o que vai acontecer com o livro na era eletrônica? "Ainda sou do bunker gutenberguiano", diz Portella, fiel ao papel impresso. "Os virtuais nos chamam de excessivamente virtuosos, mas eu penso que é no livro que mora a complexidade, que será deixada de lado se o livro for renegado", diz, adiantando que uma das discussões mais calorosas será sobre o e-book. Portella é um homem de livros. Tem uma biblioteca pessoal de mais de 20 mil volumes. Mas não é nostálgico, apesar de sua defesa intransigente do papel. "Não vejo essa questão de forma apocalíptica. Ou seja, os dois formatos vão conviver. Logo, não queremos resistir a nada, mas dizer que o mundo tem que passar pelo livro também". Portella esclarece que o predomínio da técnica, principalmente da mídia eletrônica, não é um mal em si. Bem humorado, diz que a televisão é um ponto de partida para se apreciar histórias. Acha, entretanto, que a TV está passando do limite, com o que chama de cultura do videoclipe. "A cultura do clipe é uma dieta de astronauta que baixa as imunologias culturais", define. Na contramão desta tendência estaria um dos escritores preferidos por Portella e homenageado na primeira conferência de O Lugar do Livro: Ítalo Calvino. "Além de ter sido um dos melhores escritores deste século, Calvino tem um carinho especial pelo livro e pela palavra escrita, que se vê em livros como Se um Viajante numa Noite de Inverno e Por Quê Ler os Clássicos", diz. Mas a paixão incondicional pelos livros não é unânime. João Ubaldo Ribeiro, autor do primeiro e-book brasileiro, Miséria e Grandeza do Amor de Benedita, não crê na imortalidade do livro de papel encadernado. "Não é impossível que surja um aparelho igual ao livro, sem precisar de papel, assim como o fetiche pelo livro pode acabar também", reclama. "E se acabar, ou eu escrevo no novo meio ou não escrevo, o que seria tão inútil quanto um escritor pré-Gutenberg que se recusasse a imprimir seus escritos". Ubaldo não esconde que fez o e-book por encomenda, e acrescenta que no Brasil a idéia do trabalho artístico encomendado ainda é mal vista. "Preciso viver e por isso eu escrevo, mas não estou sozinho: Balzac terminava livros conforme o prazo de suas dívidas se aproximava, e Sófocles e Aristófanes faziam suas peças para concorrer em concursos", lembra. "Não acho isso nem bom nem ruim, e quanto aos novos suportes, o melhor do futuro é que eu não vou estar lá." Tanto Ubaldo como Portella deixam claro seu amor pela literatura, representando linhagens diferentes. Uma enxerga no livro o lugar definitivo da cultura escrita, e por isso faz dos volumes nas estantes um patrimônio. Outra percebe no livro o lugar de trabalho do escritor, tenha ele o formato que tiver, e portanto o patrimônio estaria na obra intelectual, e não no seu suporte. Em qualquer caso, a popularidade do livro ainda é alta: basta observar que o Brasil tem mais de 3 mil editoras, mas menos livrarias que a cidade de Buenos Aires. E é exatamente o lugar do livro a questão do encontro que se inicia nesta semana, oportuno por comemorar os 190 da sexta maior biblioteca do mundo e maior da América Latina. 190 anos - A data precisa de fundação da Biblioteca Nacional se perdeu no tempo. O que se sabe é que em 1810, dois anos depois da chegada da Família Real ao Brasil, caixotes de madeira aportavam na Praça 15, no centro do Rio de Janeiro. Dentro deles, a Livraria Real. Um ano depois é aberto ao público o acervo de livros de D. João VI, mas apenas com sua autorização, o que praticamente impedia o acesso de quem não fosse próximo à nobreza. Em 1814 caiu a exigência de autorização do Príncipe Regente. É quando a Livraria se torna de fato uma biblioteca pública. Após a declaração de Independência, em 1822, os livros são comprados pelo Império do Brasil. O prédio onde hoje se encontra a Biblioteca Nacional é de 1910, e foi construído para comemorar o centenário da instituição. Esta data é plenamente conhecida, e foi tomada como o aniversário da Biblioteca: 29 de outubro. A construção do prédio durou cinco anos, desde o lançamento da pedra fundamental, em 15 de agosto de 1905, até a inauguração. O triângulo cultural da Cinelândia, que já se chamava assim porque em 1909 o cinema Odeon já estava em atividade, se completava então com o Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes e a Biblioteca Nacional. Os arquivos da Biblioteca não guardam somente livros. Ao todo são 9 milhões de itens catalogados, entre os quais fotos, partituras musicais, mapas, manuscritos, discos, fitas, gravuras e estampas. O setor de obras raras tem verdadeiras relíquias, como dois exemplares da Bíblia de Mogúncia, datada de 1462, a primeira edição de Os Lusíadas, de Camões, de 1572, e um Evangeliário feito entre os séculos 11 e 12. Hoje a Biblioteca Nacional é o carro chefe de um sistema integrado de bibliotecas e casas de leitura, compreendidos pela Fundação Biblioteca Nacional, um órgão do Ministério da Cultura. Revista do Livro - Em 1956 foi lançado o primeiro número da Revista do Livro, publicação trimestral que durou até 1970, quando o governo militar a retirou de circulação. Sua proposta era a de discutir temas relacionados à cultura, com ênfase em assuntos relativos ao livro e à literatura, além de divulgar o acervo da Biblioteca Nacional. Em 70, saiu a última edição, de número 43, "em formato pequeno e de qualidade decadente", afirma Myriam Leme, coordenadora do projeto, que é levado em frente pelo Departamento Nacional do Livro. A edição a ser lançada em fins de setembro levará o número 44, pois "nossa intenção é dar continuidade ao projeto original", diz Myriam, "não ao projeto de Maria Alice Barroso, responsável pelo último número, mas ao de Tomás Santa Rosa Jr., artista plástico que concebeu o projeto gráfico do número dois até o quarenta". A Revista do Livro vai sofrer uma reformulação editorial, mas guardará características antigas, como um noticiário, entrevistas e comunicados acadêmicos. O Departamento Nacional do Livro já está em contato com editoras interessadas em fazer uma parceria para edição da revista.

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