PUBLICIDADE

Biblioteca do Vaticano, um tesouro difícil de cuidar

Por Agencia Estado
Atualização:

Com 65.000 manuscritos, que começaram a ser reunidos no século 15, a coleção do Vaticano é uma das melhores do mundo. Mas é também um imenso problema para seus administradores. Como lidar com micróbios que carcomem as folhas e capas dos livros antigos, livrá-los dos danos do tempo e evitar um ou outro roubo esporádico são algumas das tarefas do serviço de manutenção da Biblioteca Apostólica do Vaticano, que enfrenta, agora, um novo desafio: empregar tecnologia do século 21 para manter no melhor estado possível a inestimável coleção. A tecnologia já tem alguns anos na Santa Sé: o Vaticano acredita que seu sistema Pergamon - alusão à cidade antiga da Turquia que sediou uma das maiores bibliotecas do mundo ? marca a primeira vez em que um procedimento de informática se aplicou em grande escala a um catálogo bibliotecário. Além disso, a biblioteca começou a colocar chips nos 1,6 milhões de livros que possui. Os pequenos transmissores, que emitem ondas de rádio a centros de monitoramento, permitirá que os bibliotecários saibam se falta algum livro. E, mesmo assim, não acredita que suas dores de cabeça tenham acabado. ?Isso é uma bobagem, já que um livro que não esteja colocado em seu lugar é como se estivesse perdido?, diz Ambrogio Piazzoni, o vice-administrador da biblioteca. A Biblioteca do Vaticano foi inicia pelo papa Nicolau V, em 1450, com 350 manuscritos em latim. Na época da morte do pontífice, a biblioteca já tinha crescido para 1.500 códigos e era a maior da Europa. Atualmente, é conhecida por sua coleção de manuscritos raros, muitos deles ilustrados com belíssimas iluminuras. A coleção é uma das melhores do mundo, na opinião de John Lowden, diretor do Centro de Pesquisa de Manuscritos do Instituto Courtauld, da Universidade de Londres. ?Acho que há três bibliotecas supremas no mundo: a do Vaticano, a Biblioteca Nacional da França e a Biblioteca Britânica?, diz Lowden, especializado em manuscritos bizantinos e medievais. Uma das peças mais importantes da Biblioteca do Vaticano é o Codex B - a Bíblia completa ? isto é, com os dois testamentos - mais antiga da história que se tem conhecimento, datada de 325 D.C. Acredita-se que seja uma das 50 bíblias que o imperador Constantino mandou compilar. Além disso, a biblioteca possui 300.000 medalhas e moedas da era romana, embora a maioria das peças mais valiosas tenha-se perdido quando Napoleão invadiu a Itália e as levou para a França. Apesar das medidas de segurança, o Vaticano não conseguiu evitar que sua biblioteca tenha sido vítima de roubos. Em 1996, o professor de história da Universidade de Ohio, Anthony Melnikas, foi condenado a 14 meses de prisão depois de admitir que roubara uma das páginas que arrancou de um manuscrito do século 14, que pertenceu a Petrarca. Melnikas a levou embora durante uma visita de pesquisa, em 1987. A biblioteca ocupa uma série de salões dentro da Cidade do Vaticano, ao lado dos museus. Os estudiosos podem ingressar neles com uma permissão prévia. Nenhuma das peças pode sair do recinto e as regras de uso dos livros e manuscritos são estritas: não se permitem polígrafos, comidas nem bebidas no salão de leitura. Acima do tudo, quem quiser pesquisar suas obras deve saber com exatidão o que procura, já que a coleção de manuscritos, como em outras grandes bibliotecas, não está catalogada. Apenas 15.000 a 20.000 foram registrados, desde que se iniciou o processo, em 1902, diz Piazzoni. ?Isto significa que, se continuarmos no mesmo ritmo, terminaremos a catalogação dentro de três séculos e meio?, calcula. Segundo Piazzoni, o processo de catalogar um manuscrito é muito mais difícil e complicado que o de um livro, já que a autoria pode ser desconhecida ou falsa, não há direitos autorais e, em algumas ocasiões, faltam peças chaves do documento. Delio Vania Proverbio, um dos seis pesquisadores encarregados da catalogação, dá um exemplo. De uma das gavetas retira um manuscrito turco do tamanho de uma caderneta, que contém dados econômicos do Império Otomano de meados do século 17. Faltam as primeiras e últimas oito páginas. Não há autor, data ou índice. No entanto, está cheio de informações que podem ser de grande interesse para os historiadores. Para ele, Proverbio produziu 10 páginas de informações e ainda está na metade do trabalho. Quanto tempo gastou nisso? ?Dois meses, reconheço envergonhado?, ele diz. Um novo sistema, que poderia dar um resumo mais breve do texto, permitiria aos bibliotecários terminar a catalogação da coleção em 40 anos. Mas o Vaticano prefere continuar com o processo atual. O fato de os manuscritos não estarem ainda catalogados acaba por causar surpresas agradáveis. Em dezembro, um especialista descobriu uma comédia desconhecida de Menandro, autor grego do século 3 A.C., enquanto lia outro documento. ?Estas são verdadeiras contribuições ao desenvolvimento da humanidade?, entusiasma-se Piazzoni. Além dos problema que o registro de manuscritos significa para os bibliotecários, eles têm outro para enfrentar: as infecções causadas por micróbios ou bactéria nos livros velhos. Em 2002, por exemplo, o Vaticano viu-se às voltas com um tipo de inseto desconhecido que estava devorando folhas de alguns manuscritos. De tempos em tempos, as obras precisam passar por desinfecções. Ehá ainda o problema humano. ?Cada vez que pegamos um manuscritos ou o utilizamos, só o fato de abri-lo, nossa respiração, a umidade, a temperatura, o danifica?, diz Piazzoni. ?É aos poucos, mas os arruina.? Para ele, no entanto, manter os documentos em locais com temperatura e umidade controladas não é a solução. ?O trabalho em uma biblioteca como a nossa tem duas facetas?, afirma. ?Primeiro, a de conservar o que recebemos do passado para o futuro. Mas também somos o futuro de ontem. Temos o direito de ler e estudar as coisas que o passado nos legou. Deve haver um equilíbrio entre as duas.?

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.