Bibi Ferreira prepara-se para viver o fado

Ela retorna aos palcos em 2001 para interpretar a cantora de fado Amália Rodrigues, morta em outubro do ano passado

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Por Agencia Estado
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Uma figura ilustre derramava uma lágrima em cada uma das apresentações de Bibi Ferreira como Edith Piaf, em Lisboa - presente em todas as sessões, a cantora Amália Rodrigues, a voz pungente do fado, emocionou-se com a interpretação comovente e, durante um encontro com a atriz brasileira, determinou: "Se algum dia alguém representar a história da minha vida, esse alguém vai ser Bibi Ferreira". A promessa foi repetida à atriz depois da morte de Amália, em outubro do ano passado. "Thiago Torres, um de seus amigos mais próximos, me confidenciou que, antes de morrer, Amália voltou a falar no meu nome", disse Bibi, disposta a, finalmente, voltar ao palco no primeiro semestre do próximo ano, quando estréia seu espetáculo em homenagem à cantora portuguesa. Aos 76 anos e com seu 1,55m que torna todos os palcos do mundo pequenos para abrigar a potência de sua voz, Bibi decidiu isolar-se em sua casa, no Rio, durante todo o mês de janeiro. Será o período em que pretende estudar as canções, ao som de seu piano. Disciplinada e exigente, não confia apenas no talento e estuda canto com rigor. Aprende música, mastiga o texto, ensaia a sério, qualquer barulho a perturba e só relaxa jogando bridge ou dançando. "Não gosto nem de atender ao telefone, por isso preciso de muito sossego." Bibi vem estudando a escolha do repertório há meses, precisamente desde a morte da cantora portuguesa que, aos 79 anos, desejava voltar a cantar, mas foi encontrada morta em sua casa, em Lisboa. Alguns títulos, porém, não deverão faltar, como Fado do Ciúme, o primeiro grande sucesso, ou Ai, Mouraria, uma das peças mais famosas. "Amália exibia um carisma reluzente dentro e fora do palco, além de ser uma mulher extremamente afável no contato pessoal", comenta Bibi, que pretende dedicar um momento especial às canções espanholas de seu repertório - consta que Amália sentia uma verdadeira fascinação pela Espanha, onde fez sua primeira apresentação internacional, em 1943, na embaixada portuguesa em Madri. A atriz brasileira vai buscar, em seu reduto, a essência de sua homenageada. Amália Rodrigues cantava sempre vestida de preto, a essência trágica do fado, palavra que quer dizer destino. O detalhe a aproxima de Piaf, que usava suas roupas até o limite pois não gostava de chamar atenção para si, mas para sua arte. A voz de Amália, educada e sóbria, era completada pelos gestos sempre precisos das mãos, uma eloqüência a serviço das palavras. "A expressão grave do rosto forte era uma de suas principais marcas, que conferia uma teatralidade única às canções", elogia Bibi. A fonte de pesquisa, porém, serão apresentações recentes. Apesar do prestígio conquistado já em sua estréia, em 1940, Amália não gravou discos nesta época em Portugal. Temia que o público abandonasse seus concertos, o que a levou a gravar apenas uma vez, no Brasil, em sua primeira visita, em 1944. Fez ainda outros sete registros em 78 rotações para a gravadora Continental. Preparo apurado - As tardes em que ficará sozinha em casa vão permitir ainda que a atriz se dedique com o mesmo afinco que empregou na preparação para interpretar as músicas de Edith Piaf, uma das grandes damas da canção do século 20. "Ela não era apenas uma intérprete, mas também compositora e poeta; e tinha uma voz privilegiada, pois o espetáculo exige de mim um preparo vocal apurado, com grandes agudos, como em um recital semi-erudito." Concebido em 1984, o espetáculo continua com uma carreira ininterrupta, viajando pelo País e para o exterior - a prova de fogo, aliás, foi sua apresentação em Paris, em maio, quando o Teatro Dejazet teve sua lotação esgotada. "Por isso, depois de apresentar o espetáculo de Amália Rodrigues no Brasil, quero fazer, ainda em 2001, uma turnê em Portugal, especialmente em Lisboa, onde o número de admiradores é muito grande", anuncia. A música conduz o trabalho de Bibi, mesmo quando dirige outros atores. Nos ensaios, além da marcação, ela cuida também da entonação dos intérpretes. Para Letti e Lotte, por exemplo, em cartaz no Teatro Renaissance, Bibi conduziu as inflexões das atrizes Nathália Timberg e Rosamaria Murtinho. "Com o tempo, sabíamos como determinada frase deveria ser dita; ela simplesmente dizia ´agora, em si bemol´", comentou Nathália. Com a decisão de se isolar em janeiro, Bibi corre contra o tempo para atender a todos os compromissos que assumiu. E não são poucos: no Rio, já no início do ano, estréia um de seus grandes sucessos, Qualquer Gato Vira-Lata tem uma Vida Sexual Melhor que a Sua. A cidade também deverá receber novamente Tango, Bolero e Cha Cha Cha. Em São Paulo, além do trabalho no Renaissance, Bibi deverá participar, em abril, da reabertura do Teatro Paramount. Para garantir glamour à reestréia, o diretor-artístico Billy Bond a convidou para dirigir o musical Os Miseráveis, que será traduzido por Juca de Oliveira e Maria Adelaide Amaral. Ela também vai participar da da nova montagem de Liberdade, Liberdade, de Flávio Rangel, com texto atualizado por Millôr Fernandes e estrelado por Fúlvio Stefanini. Incansável? "Não, só não posso parar, pois vivo para e do teatro", justifica.

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