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Bia Lessa discute a violência por meio da arte

Ela inaugura no Itaú Cultural, em São Paulo, uma grande instalação com a qual investiga as diversas faces da desordem do mundo moderno e propõe o encontro e o diálogo como solução para este impasse contemporâneo

Por Agencia Estado
Atualização:

O título da exposição/instalação que Bia Lessa inagura amanhã à noite no Itaú Cultural parece inicialmente um tanto confuso. Mas é exatamente ao sobrepor dois sinônimos (claro e explícito) que a artista pretende reforçar a intenção primeira da missão que recebeu de discutir por meio da arte a questão da violência. Assim como quando sobrepostas estas imagens parecem ilegíveis, temos dificuldade de ver o que realmente está por trás do pernicioso processo de desestruturação social e psicológica, do qual a violência é apenas um sintoma. Para discutir o problema, Bia arregimentou um verdadeiro exército de colaboradores. Reuniu em encontros intermináveis pensadores de várias especialidades, como o físico Luis Alberto Oliveira, o filósofo e músico Jorge Mautner e o arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Todos tendo em comum com ela uma impressionante capacidade de realizar conexões entre coisas aparentemente díspares, de tirar significado e poesia de um punhado de pedras. O processo dessa investigação filosófica, segundo conta a artista, foi tão interessante quanto o resultado, que ocupa a partir de amanhã três andares do prédio da Paulista, com uma área total de 1,2 mil m². Os registros da violência, evidentemente, não puderam ser esquecidos. Estão presentes principalmente na primeira sala da exposição, no segundo subsolo do Itaú Cultural. Lá o espectador se confronta com um claustrofóbico labirinto de jornais. Também há algumas torres de periódicos empilhados, sobre as quais foram colocadas imagens bastante cruas do processo de violência (violência policial, violência da fome - a mais básica e bárbara de todas, segundo Bia -, violência do submundo...). Dentre elas se destaca uma que serviu de ponto de partida para o processo de criação da exposição, na qual se vê um homem com o corpo cravejado de facas. "Parecia para mim um São Sebastião do Rio de Janeiro contemporâneo", explica ela. Mas não são apenas essas cenas que constituem o interesse central da artista e cenógrafa. "O mundo está num momento curioso. O que o homem criou não serve para ele; a escola não ensina, a UTI não cura..." Ela conta que entrou certa vez numa aula de Direito e ouviu um professor dizer a um aluno que o questionava sobre a importância da verdade, que isso não importava. O dramático parricídio que ainda choca a todos também é um exemplo terrível dessa dimensão mais sutil e talvez até mais aterradora da ausência de limites e desumanização do homem moderno a que ela se refere. "É como se o homem tivesse perdido o chão", resume. O segundo núcleo é uma mostra cabal dessa situação e não deixa de ser irônico que ele seja apresentado exatamente na sede cultural de uma grande instituição financeira do País. Trata-se de uma sala cheia de vitrines elegantemente forradas de negro na qual é mostrado o "valor" das coisas. Não seu valor real, mas o valor monetário. Nos bastidores dessa sala, literalmente atrás das paredes, estão elencadas as estatísticas que servem de base para esse mundo um tanto perverso e deturbado em que uma bolsa vale mais que um salário. Ao ler as paredes, será possível ficar sabendo, por exemplo, que em "50 anos a população do mundo vai duplicar-se e que 90% dessas pessoas serão miseráveis". Ou então que, ao contrário do que se supõe, o "maior produtor de maconha do mundo são os Estados Unidos". E, no entanto, apesar desse diagnóstico lastimável acerca do predomínio do materialismo e do dinheiro sobre sentimentos e emoções, Bia não consegue deixar de ser otimista. Vê, por exemplo, com otimismo a crescente mobilização criativa que vem, poderosíssima, da periferia. E julga essencial para que se possa superar essa crise da humanidade que se aposte todas as fichas na idéia do encontro, no esforço de levar as pessoas a prestar atenção no outro. E é essa a intenção da terceira e última sala da exposição, a sala dos pães. Neste núcleo, apresentado por um texto de Mautner bordado na parede, o espectador é convidado a trocar um objeto qualquer por um pão. Uma forma de reforçar a importância da troca e mostrar, poeticamente, que a única defesa que temos é tirar todas as defesas e nos relacionarmos com o outro. "Esta, sim, é uma reflexão urgente, fundamental, que devemos fazer e não somente por meio da arte", diz. Bia Lessa. Na mostra Claro Explícito. De terça a sexta, das 10 às 21 horas; sábado, domingo e feriado, das 10 às 19 horas. Itaú Cultural. Avenida Paulista, 149, São Paulo tel. 3268-1700. Até 16/2. Abertura, amanhã (13), às 20 horas para convidados.

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