Berta Loran encarna a velhinha rabugenta

A atriz de 76 anos está em Quem Vai Ficar com a Velha?, espetáculo que chega a São Paulo depois de uma temporada de sucesso nos palcos cariocas

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Por Agencia Estado
Atualização:

Em cartaz só até domingo no Teatro Studios Wolf Maya, a comédia Quem Vai Ficar com a Velha? está longe de ser uma obra-prima. Impossível, porém, não reconhecer o carisma e o talento de Berta Loran, atriz que comemora 60 anos de carreira. Aos 76 anos de idade, ela interpreta uma rabugenta velha de 90 anos com invejável energia. A trama é bastante simples. Berta faz uma velha implicante, distraída, cheia de manias e "irritantemente" feliz, que vive com uma sobrinha (Thelma Reston), obviamente contra a vontade desta, que em plena crise da menopausa não tem mais um pingo de paciência com a tia. Uma convivência insuportável, para a sobrinha, claro, porque a velha acha tudo ótimo. Os outros personagens são um sobrinho mais jovem, recém-divorciado (Moacyr Veiga, também autor do texto) e sua ex-mulher (Mara Manzan). A peça gira em torno do empurra-empurra da protagonista, todos disputando para não cuidar dela. Trama frágil, final melodramático, algumas piadas grosseiras - especialmente a gratuita brincadeira com o presidente Lula que serve apenas como entreato, sem nada a ver com a trama. Mas nenhum defeito rouba totalmente o prazer de apreciar o domínio da experiente intérprete Berta nesse gênero de humor, sua noção precisa de "tempo" da gag, sua capacidade de improvisar e de arrancar a gargalhada no momento desejado. Não é para menos. Berta perdeu a conta das comédias já encenadas, desde que, aos 26 anos, interpretou seu primeiro papel numa revista do Teatro Carlos Gomes, na Praça Tiradentes, no Rio. O convite partiu do maestro Armando Ângelo com quem ela havia trabalhava em musicais encenados em iídiche. Ao pisar o palco do Carlos Gomes, Berta levava na bagagem dez anos de experiência em musicais, dramas e tragédias encenadas em iídiche para uma platéia de judeus. Com a família, Bazza Ajs, seu nome de batismo, migrara para o Brasil aos 9 anos e desde os 16 atuava em teatro. "Meu pai era alfaiate, mas tinha alma de artista. Era um homem bonito, alto, tinha voz de barítono. Ainda na Polônia, quando eu tinha 7 anos, ele me levou à Ópera. E eu disse: é isso que eu quero fazer", lembra Berta. No Brasil, a família instalou-se num sobrado na Praça Tiradentes. Desde o primeiro momento, Berta encantou-se com o Rio, com o sol e, principalmente, com a acolhida calorosa dos vizinhos com aquela família de imigrantes. "Achei que estávamos num palácio. Adorei aquele sobrado de cinco quartos e principalmente o banheiro, que tinha banheira e um chuveiro enorme. Como era bom tomar banho todos os dias! Confesso que cheguei bem encardida ao Brasil. Na Polônia fazia frio, não tínhamos aquecimento e tomar banho só por partes. Minha mãe tirava minhas meias e lavava as pernas. Depois vestia as meias e lavava os braços. E assim limpava a gente, aos poucos e mal. No Brasil, a primeira coisa que ela fez foi jogar a gente no tanque e esfregar bem." Um ano depois de a família chegar ao Brasil, começou a 2ª Guerra. "Havia muitos judeus no Rio. Muitos atores. E durante seis meses do ano vinham para cá diretores americanos que encenavam musicais na Hebraica. Aprendi muito, muito mesmo nesse período", conta. Mas a temporada brasileira só durava seis meses e era preciso sobreviver. O convite para participar do teatro-revista veio a calhar. E Berta já integrou o elenco como personagem cômica. "Naquele tempo, só dois papéis prestavam - a vedete e a cômica", lembra. "Ao ser convidada, eu tirei a roupa e olhei-me no espelho. Era magrinha e tinha uma cara razoavelmente feia. Pensei: para vedete não dá. Vou fazer rir", comenta com o humor que lhe é peculiar. E fez logo sucesso em revistas como Pudim de Ouro, Nonô vai na Raça e Amor com Amor se Paga. Foi nessa época que criou o nome Berta Loran. "Eu escutava a pessoas falando na saída - essa tal basca, asa, vassa é ótima. Vi que o nome não pegava." Algum tempo depois aceitou um convite para participar de uma revista em Portugal. "Fui para ficar seis meses e fiquei seis anos. Comprei três apartamentos no Brasil com o dinheiro que ganhei lá. Ajudei toda a família." Foram 11 comédias só em Portugal, entre elas Boeing Boeing, remontada recentemente em São Paulo. "Em 1963 estava cansada de Portugal e resolvi voltar ao Brasil." De volta à sua terra - "nasci na Polônia mas sou brasileira de coração e alma, adoro o Brasil" -, nunca parou de trabalhar. Contracenou com Marília Pêra (Como Vencer na Vida sem Fazer Força), Bibi Ferreira (Boeing Boeing), Paulo Autran (A Dama do Maxim). Atuou sob direção de Gianni Ratto e José Renato. "Tinha visto a Berta numa revista, não lembro mais qual, e convidei-a para A Dama do Maxim, de Feydeau", comenta Paulo Autran. "Ela esteve ótima. O tipo da comediante que eu admiro. Não fazia nada exagerado. Entendeu perfeitamente o estilo de humor que essa comédia pedia, não fez chanchada. Foi um prazer trabalhar com ela." Na televisão, Berta participou de novelas e muitos programas de humor, como Planeta dos Homens e Faça Humor, não Faça Guerra. "Sou aposentada pela Globo. Sempre fui muito bem tratada na Globo, mas também sempre fui uma profissional exemplar, trabalhava muito, jamais me atrasava. Se me pediam uma participação, no dia seguinte estava lá com o texto decorado." No teatro, Berta cria também shows de humor, espetáculos-solo nos quais assina também o script. Estou preparando um novo show. Eu mesmo crio o roteiro. Como falo cinco idiomas, navego na Internet, descubro, traduzo e adapto boas piadas. Tudo no meu laptop." Disposição não lhe falta. "Acordo todos os dias às 8 horas, tomo aulas de canto três vezes por semana e faço balé. Fazia ginástica, mas cansei daquela coisa chata de levantar peso, daí resolvi voltar ao balé. No primeiro dia fiquei toda quebrada, mas em três meses estava novamente em forma. Tenho 76 anos e pela primeira vez faço um velhinha no teatro." Ela elogia Quem Vai Ficar com a Velha?, que fez temporada de grande sucesso no Rio. Para São Paulo, criou-se uma nova montagem com direção de Wolf Maya. "Ele estava muito ocupado e teve pouco tempo para dirigir." E ela também acha fora de propósito a brincadeira com o Lula. Claro que a sátira é sempre bem-vinda, não há quem seja contra, mas ali está mesmo deslocada. "Foi o Wolf Maya quem decidiu colocar para preencher o tempo da troca de cenário. Mas principalmente agora que ele é presidente, eu sou a favor de retirar aquela parte do espetáculo." Berta não votou nas últimas eleições porque estava em São Paulo e, na sua idade, o voto não é mais obrigatório. "Mas teria votado no Lula. Como brasileira que sou, dói ver o povo passando fome, ver o estado lastimável dos sistemas de saúde e educação neste País. E se o Lula bater à minha porta pedindo ajuda, estou disposta a contribuir, na medida do possível, para o seu governo." Quem Vai Ficar com a Velha? Texto de Moacyr Veiga. Direção de Wolf Maya. Duração: 80 minutos. Sexta, às 21h30; sábado, às 20 e 22 horas e domingo, às 19 horas. R$ 15 00 (sexta) e R$ 30,00 (único). Teatro Studios Wolf Maya. Rua Frei Caneca, 569, 3º Piso do Shopping Frei Caneca, em São Paulo, tel. (11) 3472-2424 . Só até domingo.

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