Beethoven na bagagem

Jovens de Heliópolis tocam em outubro na cidade do compositor e serão tema de documentário na Alemanha

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Por João Luiz Sampaio
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A melodia melancólica de Villa-Lobos soa pela sala enquanto, pela janela, a neblina da manhã de quarta-feira se dissipa e revela a paisagem a perder de vista de uma das maiores favelas da América Latina. A mesma música, no entanto, espanta qualquer tendência à tristeza ? pouco antes, os cerca de 70 músicos da Sinfônica de Heliópolis ofereciam uma bela interpretação da Sinfonia nº 8 de Beethoven. A plateia, no entanto, era especial: músicos da Filarmônica de Berlim e a diretora do Festival Beethoven, de Bonn. Vieram acompanhar o trabalho da orquestra e acertar os detalhes da viagem que o grupo fará em outubro para a Alemanha, onde vai tocar Beethoven, Villa-Lobos, Tchaikovsky e André Mehmari em uma série de concertos. "São tantas as lições que um projeto como esse nos dá! É um futuro que está sendo construído", diz Ilona Schmiel, chefe do festival. Parte mais visível das atividades do Instituto Baccarelli, que há décadas trabalha com crianças carentes na favela de Heliópolis, a sinfônica será tema também de um documentário da Deutsche Welle, parceira do Festival Beethoven e responsável pela turnê do grupo por cidades como Berlim, Munique e Dresden. Desde o começo dos anos 2000, o canal tem corrido o mundo em busca de orquestras jovens para levar à Alemanha.     Veja também:   Galeria de fotos Música em Heliópolis Não é um fenômeno isolado. Da mesma forma, nos últimos anos, o projeto venezuelano conhecido como El Sistema tornou-se xodó mundial, com suas orquestras e músicos viajando pela Europa e pelos Estados Unidos. Em março, o projeto 2 de Julho, cria do sistema venezuelano na Bahia, recebeu uma delegação de alunos e professores da Juilliard School of Music, de Nova York, que passaram duas semanas em Salvador trabalhando com as crianças comandadas pelo pianista e maestro Ricardo Castro. Se não são novidade, projetos sociais ligados à música clássica definitivamente viraram febre. Realidades. "Música é emoção e emoção é o ponto de partida para a transformação", diz Gero Schliess, diretor de Programação e Promoção da Deutsche Welle, que esteve em São Paulo esta semana acompanhando o trabalho dos jovens de Heliópolis. "Projetos como esse estão espalhados pelo mundo e o nosso objetivo é propor o diálogo entre a música e a mídia, dando visibilidade e revelando realidades como a desses jovens. São enormes os significados de uma viagem como a que eles vão fazer à Alemanha. Eles levarão na bagagem Beethoven, mostrando a universalidade dessa música; mas também é a história de cada um desses músicos que será mostrada lá, proporcionando uma troca de experiências muito grande. E essa troca é emocionante, empolgante mesmo." Para um dos coordenadores do Instituto Baccarelli, Edilson Venturelli, fica claro nos olhos das crianças a emoção por conta da viagem. "Imagina a quantidade de histórias que eles vão ter para contar na volta?", brinca. Os músicos ficarão hospedados em casas de famílias alemãs e terão contato com jovens músicos do país, além de trabalhar com professores locais e com o maestro Yutaka Sado, que vai dividir a regência da turnê com o titular da sinfônica, Roberto Tibiriçá. A viagem conta ainda com o apoio do Mozarteum Brasileiro ? os artistas da temporada de concertos da entidade têm dado master classes para os integrantes da sinfônica; e o solista da turnê alemã será o violinista Shlomo Mintz, que vai interpretar o Concerto para Violino e Orquestra de Tchaikovski. A Deutsche Welle encomendou ainda uma obra ao compositor André Mehmari, Cidade do Sol, que vai estrear durante a turnê. "É fundamental para nós também o aspecto da troca de informações no que diz respeito à criação." Patrimônio. Após ouvir a interpretação da Sinfonia nº 8 de Beethoven, Ilona Schmiel conversou com os músicos da orquestra e brincou. "O maestro disse que esse é só o segundo ensaio de vocês, mas não acredito." Ao Estado, mais tarde, se disse impressionada com o andamento imposto pelo maestro Tibiriçá, "bastante rápido", e com a capacidade dos músicos de acompanhá-lo. "Há uma energia extremamente cativante na maneira de tocar dessa orquestra. Em Bonn, recebemos sempre orquestras de fora, mas desde agora estamos todos ansiosos pela presença desta sinfônica. Quando os ouço, penso que essa energia fala muito claramente não apenas do futuro dessas crianças, mas, também, do futuro da própria música clássica."

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